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sexta-feira, 9 de março de 2007

INTRODUÇÃO À DITADURA MILITAR - TRABALHO DE CIÊNCIA POLÍTICA

Jânio Quadros – A decepção da classe média

Foi como um meteoro. De obscuro professor de ginásio no subúrbio, passando por vereador que só ocupou a cadeira depois que o PCB foi cassado, em seguida prefeito, governador de São Paulo e finalmente presidente da República do Brasil: Jânio da Silva Quadros (1917 - 1992) . Um fenômeno.
Em 1960, o Brasil estava que nem galinha de macumba: na encruzilhada. Conseguiríamos nos desenvolver mesmo, ou os problemas graves eram o sinal da crise? Então, para muita gente, Jânio parecia ser a solução.
Pelo menos parecia para as classes dominantes, porque sempre foi conservador e autoritário. Todos sabiam que ele não ameaçava com nenhum nacionalismo ou esquerdismo. Além do mais, seria apoiado pela conservadora UDN.
Parecia a solução para a classe média udenista, porque Jânio falava português com impecável gramática e isso mostrava que ele não se dirigia à “massa ignara”, mas às “pessoas de bem, instruídas, de bom gasto, que sabem o que é melhor para o país”: Além disso, vivia falando em moralidade pública, em instaurar auditorias e prender os corruptos, "botar os vagabundos dos funcionários públicos para trabalhar", em se tornar um administrador moderno e eficaz.
Jânio Quadros também parecia a solução para grande parte dos pobres. Impressionava com ternos escuros cheios de caspa no ombro, enquanto que as pessoas, fascinadas, apontavam: “Vejam, um homem do povo como nós, ele tem caspa no cabelo!” Realmente, um candidato que tinha algo na cabeça: caspa. Outra técnica eleitoreira de Jânio era, diante da multidão, abrir o paletó para tirar pão. Desses mesmos de padaria. Começava a comer um sanduíche. Não de presunto, mas de humilde mortadela. Bela imagem circense: “o homem sem vaidades, de hábitos espartanos como todos os verdadeiramente honestos, comida apressada de quem trabalha muito pelo Brasil”. No meio de um comício, Jânio desmaiava. “Oh! Que será que aconteceu? Coitado! Tanto sacrifício para enfrentar os poderosos, que não resistiu!” Como poucos, ele sabia o amor que o nosso povo devota aos políticos que aparecem como vítimas da injustiça. E então, de repente, qual Fênix ressurgida das cinzas, ressuscitava, forte, denunciante, vitorioso, na sua escalada invencível para o Palácio do Planalto!
Grande parte da população, já naqueles tempos de 1960, detestava partidos e políticos. Pois Jânio candidatou-se por um partido mixuruquíssimo, para que as pessoas acreditassem que era “o único que não tinha rabo preso”. Mas seria assim mesmo? Claro que não. Jânio Quadros montou um acordo aberto com a UDN. O próprio Lacerda, diria sem rodeios: “O caminho da UDN para o Palácio do Planalto passa pela eleição do Sr. Quadros para a presidência.”
Venceu fácil. Votação sensacional: 5,6 milhões de votos contra apenas 3,8 milhões de Lott (PSD + PTB). A UDN podia abrir mais garrafas de champanhe! Conseguiu eleger dois importantes governadores: Lacerda, na Guanabara (ex-Distrito Federal, depois que a capital foi transferida para Brasília), e Magalhães Pinto, em Minas Gerais.
Empossado na presidência, o sr. Jânio fez um governo estranhíssimo. Em pouco tempo conseguiu desagradar quase todo mundo. Em seguida, sem maiores explicações, renunciou.
Para controlar a inflação, Jânio propôs “austeridade”. No dicionário da burguesia nacional, essa palavra quer dizer salários congelados, apesar da inflação. O Brasil não mudara muito. Além disso, cortou gastos públicos. O que resultava em menos hospitais e escolas. O trigo e o petróleo perderam os subsídios. Assim, os preços do pão e da gasolina aumentaram em 100%. Quem gostou foi o FMI, que aplaudiu Jânio e prometeu emprestar dólares.
Claro que essas medidas irritavam a esquerda. Mas isso não interessava a Jânio, já que ele sempre as xingou mesmo. O problema, é que ele começou a tomar medidas estranhas que acabaram irritando seus próprios aliados direitistas da UDN.
Na verdade, o sr. Quadros tinha uma personalidade muito instável. Alguns até lançaram a hipótese de que seu governo teria sido movido a uísque. Afonso Arinos, ministro do Exterior, jurista conceituado e ligado aos udenistas, diria mais tarde: “Jânio na presidência era a UDN de porre.”
Talvez Jânio alimentasse um sonho megalomaníaco: aparecer na história como o maior líder independente do Terceiro Mundo. Nem de um lado, nem de outro. Mas será que naquele clima de Guerra Fria do começo dos anos 60 havia espaço para isso? Jânio nem se deu ao trabalho de avaliar. Dentro desse ideal de autonomia na política externa, reatou relações diplomáticas com a URSS e a China socialista. Claro que não tinha virado esquerdista. Era só uma aproximação comercial, que interessava a empresários brasileiros. O problema mesmo foi quando resolveu, sabe-se lá por que cargas d'água, condecorar com a Ordem do Cruzeiro do Sul nada mais, nada menos, do que Ernesto Che Guevara (veja o quadro abaixo). Isso mesmo, num momento em que os EUA estavam furiosos com Havana, Jânio resolve condecorar um guerrilheiro comunista da Revolução Cubana. Pelo menos, conseguiu o que queria: aparecer nas páginas de jornal do mundo inteiro. Em compensação, a UDN e o Departamento de Estado norte-americano deram murros na mesa.
Jânio era contraditório. Mas sejamos imparciais. É preciso reconhecer que ele foi o único presidente, em toda a nossa sofrida história, que teve a coragem, o peito, a audácia, o ardor cívico e compromisso de patriota de tomar uma atitude que representava séculos de sonhos, reivindicações e batalhas do povo brasileiro. Jânio Quadros teve a honra, a glória nacional, de proibir terminantemente, em todo território nacional, doesse a quem doesse, a briga de galos! E, a partir daí, o país ficou irremediavelmente dividido em dois campos políticos inimigos opostos irreconciliáveis: os galistas e os antigalistas! A galinhagem foi total. Pois é, acredite se quiser. Com tanto problema sério para o presidente cuidar, ele perdia tempo com bilhetinhos proibindo brigas de galos. (Mais tarde, Tancredo Neves, que apostava em galos de briga, desproibiu os combates. Êta governantes sérios!) Proibiu também lama-perfume, uso de biquíni nas praias, corrida de cavalos no meio da semana e daí por diante.
Até que, de repente, depois de apenas sete meses de governo, resolveu renunciar à presidência. Como se renunciasse a um simples sanduíche de mortadela.
Qual a explicação para isso? Ele nunca deu. No máximo, acusava as “forças terríveis”. Porém, se pensarmos um pouco, entenderemos. Na véspera do ato, Lacerda, rompido com Quadros, deu uma entrevista na tevê acusando Jânio de estar preparando um golpe para instalar uma ditadura. Lacerda estava acostumado a fazer denúncias sem fundamento, mas parece que desta vez ele falava a verdade. O truque de Jânio era simples. Anunciou a renúncia esperando que o povo, consternado, gritasse “Volta Jânio!”. Além disso, repare a jogada, ele sabia que seu vice-presidente, João Goulart, era odiado pelos setores conservadores do empresariado e dos militares. A renúncia era uma verdadeira chantagem contra esses grupos poderosos: “Vocês querem que eu saia? Se eu sair, olha só quem assume: o Jango!” Ora, diante disso, ele acreditava que militares, burgueses e políticos correriam para ele implorando que ficasse no cargo. Então ele responderia: "Fico, mas sob minhas condições." E quais seriam as condições? Uma ditadura pessoal do sr. Jânio Quadros. O que Lacerda denunciava. O que JQ nunca quis explicar, porque era vergonhoso para ele.
Só que fez a coisa sem nenhum preparo. Apanhou todo mundo de surpresa. Só restou ao Congresso aceitar sua decisão. Assumia a presidência, provisoriamente, o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzili. Não obstante, a direita não queria a posse de tango. Agora, o país vivia uma crise política terrível. Estava à beira da guerra civil.


A crise da posse de João Goulart

Como é que se explica que Jânio, apoiado pela UDN, tivesse um vice que era do PTB, arquiinimigo dos udenistas? É que naquela época, além de votar para presidente, você também votava para vice-presidente. Mais ainda: podia votar em candidatos de chapas diferentes. As duas principais chapas eram Jânio e Milton Campos (um político da UDN) contra Lott e Jango, ambos do PTB. Muita gente votou na dobradinha Jan-Jan: Jânio e Jango.
João Goulart (1918-1976) pertencia a uma família de ricos fazendeiros gaúchos, nada tinha de esquerdista. Sempre foi a favor do capitalismo. Só não concordava com a selvageria do capitalismo brasileiro. Acreditava em reformas sociais. Inclusive a reforma agrária, apesar de pertencer a uma família de latifundiários. Quando ministro do Trabalho de Getúlio, propôs aumentar o salário mínimo em 1OO%, provocando um coro de protestos dos empresários. A direita jamais esquecerá este fato. Jango não se abalava. Herdeiro da tradição populista de conciliação entre a burguesia e o proletariado, quis o apoio do PSD e do PTB, mas também aceitou alianças com a esquerda e os comunistas. Este foi o grande problema: as contradições sociais eram muito fortes. A luta de classes, aguda demais. Naquele momento, não era possível conciliar como ele pretendia. Sua incompreensão destas contradições – elas próprias motivantes – redundaram na tragédia do golpe militar de 64.
Os setores mais reacionários odiavam Goulart. Quando Jânio renunciou, João Goulart (que o povo chamava carinhosamente de Jango) deveria assumir. A UDN esperneou. A direita militar ruminava contra. Os jornais O Globo e O Estado de S. Paulo faziam coro.
Jango estava na China, em viagem diplomática. Percebeu que não dava para voltar logo. Incendiaria o país. Prudente, aguardava os acontecimentos no Brasil.
Foi quando então se levantou a autoridade de Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul. Brizola comandou a resistência a este golpe branco. Através da rede pela legalidade, reuniu dezenas de pessoas, rádios e jornais que defendiam a Constituição. Afinal, a Constituição era bem clara; estando a presidência vaga, quem assumia era o vice. Não havia o que discutir. Brizola não era o baderneiro, era o defensor das leis. Por sorte, contava com o apoio do general Machado Lopes, comandante do III Exército.
O impasse estava instaurado. A qualquer momento, tropas legalistas poderiam enfrentar as forças contra a posse. Haver a guerra civil? Na hora “H”, o Congresso deu um jeitinho. Jango poderia assumir, mas sem poderes, porque agora o Brasil passava a ter um Estado parlamentarista.

O Parlamentarismo (1961 – 1963)

Quem passava a governar era o primeiro-ministro, nomeado pelo presidente. Mas o parlamento tinha de aprovar a nomeação (com certeza, tinha de estar ligado aos partidos majoritários no Parlamento, ou seja, no Congresso Nacional), caso contrário o presidente teria que indicar outro nome.
O primeiro primeiro-ministro foi Tancredo Neves, experiente político mineiro do PSD. Para formar o gabinete (sua equipe de ministros), chamou uma porção de pessedistas e dois da UDN. Moderado, Tancredo visitou os EUA, falou mal do comunismo e voltou com a mala cheia de dólares emprestados para ajudar as oligarquias do Nordeste a se perpetuarem no poder no melhor estilo coronelista. Ficou pouco tempo no governo, e pouco fez além de liberar a briga de galos, que havia sido proibida por Jânio Quadros.
Para substituir Tancredo, Jango indicou outro mineiro, San Tiago Dantas (1911 – 1964), da ala moderada do PTB, ex-ministro do Exterior (cuidava da relação do Brasil com os outros países) de Tancredo. Mas na conferência da OEA (Organização dos Estados Americanos, espécie de ONU das Américas), em Punta del Este, os EUA propuseram a expulsão de Cuba. O diplomata brasileiro se absteve de votar, irritando a direita, que em San Tiago nada via de santo. Resultado: o parlamento vetou seu nome.
Surgiu então o nome do empresário e senador paulista Auro de Moura Andrade (1915 - 1982) para ser o primeiro-ministro. Agora, para você sentir o clima do que estava rolando no Brasil da época: simplesmente estourou uma greve geral de 24 horas nas empresas estatais (refinarias, trens, ônibus, estivadores) contra a nomeação de Auro, excessivamente conservador. Greve política, operários que cruzaram os braços para mudar um governo. Mostra da força do PTB e até do PCB para mobilizar politicamente massas operárias. Mas também - todos desconfiavam - sinal de que Jango dava um empurrãozinho nos sindicatos para pressionar o Congresso. As coisas estavam esquentando no país.
O jeito foi Jango nomear outro cara, desta vez aceito. Um político quase desconhecido do PSD gaúcho, que sonhava mesmo era em descansar na pedra: Brochado da Rocha (1910 - 1962). Antes de sair (entrou em seu lugar, Hermes Lima) ele propôs - e o Congresso aceitou - antecipar o plebiscito sobre o parlamentarismo para 1963. Ou seja, o povo é que iria decidir sobre os poderes de Jango.
Plebiscito é uma consulta popular. Uma eleição em que o povo não vota em candidatos, mas a favor ou contra certa proposta. Em 1963, um plebiscito deu esmagadora vitória ao presidencialismo (proporção de 10 por 1). Acabava-se o parlamentarismo. João Goulart finalmente ganhava plenos poderes presidenciais. Mas pouco pôde fazer. Meses depois seria derrubado pelo movimento militar de 1964.

As Reformas de Base

O presidente João Goulart acreditava que o país precisava de reformas de base. O problema é que elas mexeriam com os privilégios de muita gente poderosa no Brasil. Esses poderosos viram no golpe militar a barreira que manteria sua confortável posição.
Preste atenção nessas palavras, porque elas eram muito comentadas no começo dos anos 60: “reformas de base”. O Brasil inteiro falava delas. Jango, o PTB, os estudantes da UNE, o PCB e os sindicatos eram a favor. A UDN, grande parte do PSD, quase toda a imprensa, grandes empresários e militares conservadores eram contra. O país ficaria dividido até que um dos lados impusesse sua opinião com tanques de guerra.
A primeira das reformas de base era a sonhada reforma agrária. Não era possível que o Brasil, com extensões de terras gigantescas nas mãos de proprietários que nada plantavam, permitisse que milhões de famílias moradoras do campo passassem fome porque não possuíam nenhum pedacinho de terra para cultivar. Japão, França, Alemanha, e até México e China, já tinham realizado reforma agrária. Por que o Brasil não poderia fazer uma?
Para executar a reforma agrária, o governo confisca (toma) uma parte das terras do latifundiário, ou seja, o desapropria. Essa terra é dividida entre os sem-terra, que passam a ser pequenos fazendeiros. O problema era que a Constituição só admitia a desapropriação de terras em caso de utilidade pública, se o governo indenizasse os proprietários em dinheiro. Ora, simplesmente o Estado não tinha grana para indenizar tantos latifundiários. (Eram milhões de camponeses precisando de terra!) A não ser que indenizasse com títulos da dívida pública, ou seja, uma espécie de conta que o governo assume pagar, muitos anos depois, com juros. Mas aí seria preciso mudar a Constituição. E como mudá-la se o Congresso estava cheio de conservadores da UDN e do PSD? Um projeto de expropriação sem indenização em dinheiro foi vetado em 1963. Talvez aí estivesse um dos erros de Jango: ele avaliou que poderia deixar rolar os protestos populares que o Congresso, acuado, faria as leis. Porém aconteceria o contrário: a classe dominante, apavorada com os protestos, veria em Jango apenas um fraco incapaz de controlá-los. Pediria a cabeça do presidente.
Outra das reformas de base era a reforma urbana, que controlaria o valor dos aluguéis de imóveis e ajudaria os inquilinos a comprar a casa própria. A classe média alta, dona de mais de um imóvel, ficaria apavorada com a "ameaça comunista de tomar o que é dos outros".
As reformas de base também eram reformas políticas: direito de voto para analfabetos e de sargentos e patentes inferiores nas Forças Armadas. Naturalmente, os defensores das reformas de base imaginavam que esses grupos iriam despejar votos a seu favor. Os comandantes militares torceram o nariz para a idéia de sargentos, cabos e soldados votarem. Achavam que isso traria indisciplina para as tropas. As elites e a classe média também repudiavam o voto dos analfabetos, a quem consideravam "despreparados". Só estavam preparados para trabalhar, pagar impostos, passar fome e morrer pela pátria.
As reformas de base eram bem nacionalistas. Incluíam a proibição de empresas estrangeiras operarem em setores como os de energia elétrica, frigoríficos, indústria de remédios, refinarias de petróleo, telefones. Naquela época, os nacionalistas achavam que as empresas estrangeiras atuavam nesses setores pensando unicamente em seus lucros, pouco se importando com os interesses da nação. Por exemplo, a companhia poderia achar que teria prejuízo se instalasse telefones numa cidade do interior. Pois ela não arriscaria. Então, a cidade ficaria sem os telefones e pronto. O Brasil que continuasse nos tempo do boca a boca. Além disso, os nacionalistas argumentavam que não tinha cabimento a empresa estrangeira lucrar horrores e mandar esses lucros para fora do país, haja vista que uma empresa nacional poderia fazer o mesmo serviço e usar os lucros para reinvestir no crescimento da própria economia brasileira. Os nacionalistas achavam que a maioria das multinacionais exercia uma concorrência desleal, prejudicando os empresários nacionais. Ou seja, no fundo os nacionalistas viviam de uma ilusão: a de que haveria uma burguesia "nacionalista" pronta para apoiá-los. Nunca houve.
A reforma da educação era outro ponto importante, e tinha apoio da UNE (União Nacional dos Estudantes. Havia necessidade de mais escolas e universidades públicas de bom ensino. Os estudos deveriam ser voltados para os problemas nacionais do Brasil. Eis uma idéia que fez a cabeça de muita gente na época: no ensino, como em tudo, era preciso parar de copiar modelos estrangeiros e passar a pensar de forma brasileira os problemas nacionais. Quando a gente ouve gravações de shows da época, era muito comum o artista falar coisas do tipo “temos orgulho de ser brasileiros”. Pensar o Brasil, eis a meta. Mas, o que significava isso?
As reformas de base eram uma proposta para outro tipo de desenvolvimento capitalista nacional. Mas elas mexiam com muitos grupos poderosos. Grupos que não tolerariam perder alguns privilégios. Para mantê-los, recorreriam à mão armada do golpe militar.

O Populismo de João Goulart

João Goulart, do PTB, se considerava um herdeiro político de Getúlio Vargas. Seu plano político também era populista, Ele esperava que o Estado fosse o intermediário de um acordo nacional entre os militares, os intelectuais nacionalistas, a burguesia industrial nacionalista e os sindicatos.
Todo o plano furou.
A tal burguesia industrial "nacionalista" não se empenhou nem um pouquinho a favor da reforma agrária. Ela também nada tinha de nacionalista. Estava assanhada para montar negócios com as multinacionais,
Os militares se apavoraram com a agitação sindical. Para eles, Jango era incapaz de conter o avanço comunista.
Goulart realmente tentou usar os sindicatos a seu favor, Estimulou greves políticas para pressionar o Congresso, bajulou pelegos. Isso irritava demais a direita, que o acusava de querer montar uma "república sindical" ao estilo peronista, Para complicar, o movimento das trabalhadores estava ganhando autonomia.

A mobilização popular

Se você perguntar a uma pessoa que apoiou o golpe militar de 1964, ele provavelmente o justificará assim; "Você não sabe como era aquela época, Um horror, greve todos os dias. Nada funcionava. O país estava virando uma baderna, uma desorganização completa. Os militares vieram para botar ordem no país, salvaram a gente do caos."
Afinal, o Brasil estava ou não uma zona completa? Depende do ponto de vista. Vamos supor que você fosse um rico latifundiário. Podia ser que você precisasse de um favor do governo, tipo um financiamento camarada do Banco do Brasil. Como conseguir? Uma das possibilidades era sua associação de proprietários rurais pressionar o governo para obter ajuda. Que bom que sua organização podia te apoiar, não?
Se você fosse um humilde trabalhador rural, não teria tanta coisa assim. Até os anos 60 não existia nenhum sindicato rural no Brasil. As leis trabalhistas também não valiam no campo. Era um Brasil esquecido, abandonado, desprezado. Mas as coisas começaram a mudar.
Formavam-se as Ligas Camponesas. Elas organizaram milhões de camponeses nordestinos, gente que era dona de uma terra tão pequena (minifúndio) que não dava para sobreviver, trabalhadores que vigiam num pedacinho cedido pelo fazendeiro (eram moradores) e que arrendavam (pagavam aluguel pela terra) a preços cada vez mais cruéis, que tinham de trabalhar certos dias de graça (o cambão) para o senhor da terra. Em alguns lugares do Brasil, a agricultura já usava máquinas agrícolas e pesticidas. Ou então, o fazendeiro parava de plantar para criar gado bovino. Nos dois casos não precisava mais de tantos camponeses. Mandava os jagunços expulsarem os moradores das rocinhas. Pois as Ligas Camponesas, lideradas por um advogado pernambucano de idéias socialistas, Francisco Julião, organizavam esses homens na luta por seus direitos. Faziam greves, recusavam-se a sair das terras e, principalmente, exigiam do governo a reforma agrária.
Em Pernambuco, 1963, dezenas de milhares de trabalhadores das usinas de açúcar fizeram uma greve espetacular. Os jagunços caçaram líderes do movimento, socaram a cara para afundar os dentes, cortaram à faca, incendiaram barracos, deram tiros de revólver. Não adiantou. Os patrões tiveram de ceder. E, pela primeira vez, os empregados das usinas conquistavam o direito de ganhar o salário mínimo (que na época valia bem mais do que o de hoje).
Ponha-se no lugar de um latifundiário; para eles, a existência de ligas camponesas e de greves de trabalhadores rurais era sinônimo de organização ou de baderna? E para os camponeses, ter uma associação para defender seus interesses, era organização ou baderna?
Em 1963, Jango sancionou o Estatuto do Trabalhador Rural. Finalmente, as leis trabalhistas começavam a chegar ao camponês! Agora, a legislação obrigava o fazendeiro a pagar salário mínimo, assinar carteira de trabalho, garantir o repouso semanal e remunerar as férias. Ou seja, nada de radical, nada de criptocomunismo, nada de incendiário. Só um pouco de justiça.
Você acha que os latifundiários concordaram? Claro que não! Para eles, Jango era um terrível agitador, um desgraçado que esculhambava o país. Miguel Arraes, governador de Pernambuco, pela primeira vez botou a polícia do lado dos camponeses, do lado da lei. Por isso, era detestado pelos usineiros.
Acho que você entendeu o significado do golpe militar de 64. Dá para você perceber um dos motivos para que a história tantas vezes seja interpretada de modos diferentes, não é mesmo? Será que tantos pontos de vista significam mesmo que não é possível encontrar a verdade histórica? (Reflita sobre isso. Estes tipos de reflexões caracterizam uma História crítica.) Bem, para uma boa parte da classe trabalhadora, intelectuais, políticos de esquerda e estudantes, o Brasil não era uma baderna. Estava é ficando organizado como nunca esteve antes. As pessoas estavam descobrindo a importância de se associar para lutar por seus direitos, Em vez de lamentar suas misérias, erguiam-se e lutavam para acabar com elas.
E as greves? Elas eram muitas, como se dizia? Talvez essa pergunta não seja a melhor. O que cabe indagar é: o movimento trabalhista conseguia algum benefício? Realmente, apesar da inflação, os salários cresciam. As greves estavam se revelando importantes instrumentos de luta. Em 1962, foi criado o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), uma central sindical visando unificar as lutas do país inteiro. Para os trabalhadores, essas vitórias eram o resultado da organização operária. Afinal, depois de uma greve geral, foi aprovada a lei do décimo terceiro salário (1962). Para os empresários, tudo isso não passava de uma baderna promovida por sindicalistas irresponsáveis e fanáticos comunistas: "O Exército tem de acabar com esse abuso! O país precisa de ordem para os negócios prosperarem!"
A UNE vivia uma virada sensacional. Seu presidente em 1960, o goiano Aldo Arames, pertencia à AP (Ação Popular). O pessoal da AP vinha da JUC (Juventude Universitária Católica) e, em princípio, não era marxista. Na prática, namoravam cada vez mais o comunismo chinês. Até 1964, eles estariam na direção da UNE. Aliás, em 1963 o presidente da UNE era o paulista José Serra, anos mais tarde ministro neoliberal de FHC: o que as pessoas fazem com os ideais da juventude? Eles somem com o tempo, tal como as espinhas?
Naquela época os estudantes levavam muito a sério a luta política. A geração dos anos 60 e começo dos 70 acreditava que a luta política realmente mudaria o mundo inteiro. Por isso a UNE era tão importante e tão perigosa para os poderosos.
O pessoal da UNE acreditava que o ensino não podia ser elitista nem "alienado", como se dizia na época. A universidade precisava ser comprometida com as necessidades nacionais, formar pessoas capazes de pensar os problemas brasileiros em vez de ficar seguindo as instruções norte-americanas. Os conhecimentos não deveriam ficar presos à sala de aula e ao laboratório, eles deviam ser levados ao povo.
Dentro desses ideais, a rapaziada da UNE criou os CPC (Centros Populares de Cultura), nos quais se faziam representações de peças de teatro na rua, de autores como Oduvaldo Viana Filho e Gianfrancesco Guarnieri, shows de música e poesia, sessões de cinema com filmes politizados (diretores como Eisenstein, Pasolini, Glauber Rocha), debates em praça pública e auditórios. Tudo com objetivo educativo: de modo divertido e fácil de entender, mostravam às pessoas nas ruas a necessidade de combater o "imperialismo norte-americano" e de defender as reformas de base. Ah, foram tempos cheios de idealismo da juventude... E hoje em dia, o que querem os jovens para o mundo? As espinhas serão mais importantes do que os sonhos?
No Congresso Nacional, a força de apoio de Jango era o PTB, segundo partido em tamanho. Brizola, por exemplo, tinha sido eleito deputado federal com a maior votação do Brasil (pela Guanabara! Prova de sua popularidade junto à antiga capital). A Frente Parlamentar Nacionalista unia os deputados e senadores favoráveis às reformas de base.
O problema é que Brizola não se entendia com o irmão de sua esposa, ou seja, o presidente da República do Brasil. Ele queria que Jango avançasse com mais ímpeto, fazendo a reforma agrária na marra, nacionalizando de cara vários monopólios estrangeiros. Para defender suas idéias, propunha que os militantes brizolistas se juntassem nos Grupos dos Onze que, entre uma ou outra partidinha de futebol com time completo, se fariam de sentinelas a favor das reformas de base. Sonhava em ser presidente e, para isso, deu força para o slogan "Cunhado não é parente. Brizola para presidente!". Na verdade, Brizola era considerado um "radical" por Jango e um "inconseqüente" pelos comunistas, sem falar no ódio hidrofóbico que provocava nos generais de extrema-direita. No fundo, Brizola não percebia que o confronto só favoreceria o lado da reação.
Apesar da liberdade de atuação (Prestes era uma figura pública, dava entrevistas e palestras), o PCB mantinha-se na ilegalidade. Para escapar da proibição da lei, os comunistas elegeram diversos deputados e vereadores pela legenda do PTB.
Como de costume, o PCB tinha enorme prestígio entre estudantes e sindicalistas. Mas a força dele ainda era bem pequena. Além disso, continuava a achar que o Brasil não estava preparado para o socialismo. Por isso, apoiava as reformas de base de Jango, que eram apenas uma melhorada no capitalismo nacional. Ou seja, esse negócio de que "comunistas estavam se infiltrando em tudo" era só uma paranóia da direita. Tinham força porque eram organizados e conscientes, mas eram relativamente poucos.
Talvez a melhor maneira de traduzir o clima intelectual e político do Brasil naquele começo dos anos 60 seja a descoberta de uma palavra manjadíssima e que foi inventada exatamente naquela época. Sabe qual é? O verbo conscientizar. Ele surgiu naquele momento porque expressava com perfeição o que os brasileiros estavam fazendo: o Brasil começava a pensar a si mesmo, começava a tomar consciência de seus problemas e de como resolvê-los por conta própria. Parecia que o país inteiro estava ficando mais inteligente. Em todos os cantos, nos botequins e salas de aula, nos papos da fila do ônibus, na saída do cinema, na praia, todo mundo tinha idéias novas, todo mundo queria descobrir o que estava errado com o Brasil. As pessoas acreditavam que era possível mudar muita coisa para melhor. As pessoas estavam se conscientizando.
É óbvio que as forças dominantes não dormiram de touca. A direita também tinha suas armas, seus soldados e generais - e não estamos dando nenhuma indireta boboca.


A reação da direita

O Brasil do começo dos anos 60 estava pegando fogo. De um lado, as forças da mudança, que apoiavam as reformas de base. Do lado contrário a potência do conservadorismo de direita.
Quem era contra o governo João Goulart? Em primeiro lugar, naturalmente, os latifundiários. Quando ouviam falar em reforma agrária tinham vontade de passar com o trator em cima de Jango. Os empresários também estavam irritados com as greves e com medo de serem obrigados a aumentar demais os salários dos empregados. Sem falar no pavor de o governo inventar impostos pesados sobre as grandes fortunas. Só de falar nisso, tinham vontade de passar com a Mercedes-Benz em cima de Jango. Aliás, Jango apostou que teria apoio do empresariado nacionalista. Triste engano: a burguesia brasileira estava assanhadíssima para ter relações com os capitalistas ianques. Mais do que um casamento, sonhavam longas noites de amor.
No Congresso Nacional, a UDN e outros deputados conservadores formaram a Ação Democrática Parlamentar para bloquear as reformas de base. Apesar de a Ala Moça do PSD (Ulisses Guimarães e outros) e a Ala Bossa Nova da UDN ( José Sarney, José Aparecido e outros) aceitarem um pouquinho das reformas de base, no final, grande parte do Congresso (inclusive essas figuras) estava em rota de colisão contra o presidente. Cada vez mais o PSD juntava as patas com as da UDN.
A classe média, geralmente udenista, tinha horror a um presidente que se aproximava dos trabalhadores. As greves que paralisavam os transportes e os serviços de luz irritavam demais. Acreditavam que os aumentos salariais só serviam para aumentar a inflação. Para piorar, ainda havia uma infâmia; "Com tantas greves e aumentos; qualquer dia desses um operário vai estar ganhando quase tanto quanto eu!" - exageravam os profissionais liberais. No fundo, o velho elitismo, o velho pavor de a empregada doméstica compartilhar o mesmo elevador, de o filho ter como colega de escola o filho de um operário, de a filha vir a namorar um pé-rapado.
A classe média balança como um pêndulo, ora para um lado, ora para o outro. Pequenos empresários, profissionais liberais e assalariados bem remunerados sabem que não são os graúdões, os capitães da indústria, os banqueiros. Mas sua instrução universitária, seus sonhos de consumo, os bairros onde moram, os afastam dos trabalhadores. Existe coisa mais maluca do que ouvir que' "Neste país, a classe média é a mais sacrificada?" Pois dizem isso com orgulho. Como se morar numa favela, pegar o trem lotado às cinco e meia da manhã, se enfiar numa fábrica fedorenta por horas a fio fosse um passeio em um carro zero...
As greves, os conflitos de classes cada vez mais agudos e as incertezas da política janguista deixavam a classe média desnorteada. A coisa era mais complicada do que telenovela. Os debates parlamentares com tantos discursos vazios e inúteis, a inflação que aumentava sem parar, os eternos escândalos de corrupção a faziam entrar em parafuso. E o que ela mais queria, como sempre, era segurança. A velha ilusão de que um governo autoritário traz a tranqüilidade. A classe operária e os camponeses que se danassem, o que importava é que a compra de um novo televisor estava salva. Trocou a liberdade pelo eletrodoméstico.
Uma pesquisa de opinião do Ibope, feita na véspera do golpe de 64, mostrou que a maioria dos brasileiros considerava bom o governo de Jango. Mas grande parte dessa maioria era de gente que não moveria um dedo para defendê-lo, ou seja, milhões de pessoas passivas, que ainda aceitavam o tratamento de carneiros.
Além da oposição sistemática da UDN, dos latifundiários, dos grandes empresários e da classe média, Jango ainda tinha de enfrentar a grande imprensa. Jornais como O Estado de S. Paulo e O Globo eram implacáveis. O presidente aparecia como culpado de tudo de ruim que havia no país. Nas manchetes, coisas como "Jango é marionete nas mãos dos comunistas", "Querem uma república sindicalista", "País à beira do caos e da anarquia" eram comuns e faziam a cabeça das pessoas.
Havia sinais de mudança da Igreja. O papa João XXIII nas encíclicas Mater et Magistra (1961) e Pacem in Terris (1963) atacava o comunismo mas defendia a necessidade de mudanças graduais na sociedade. O Concílio Vaticano II confirmou essas idéias e o novo papa, Paulo VI, deu sinal verde para o engajamento dos católicos em projetos de reformas não-socialistas. Alguns estudantes da JUC (Juventude Universitária Católica) tinham certa simpatia pelas idéias marxistas. Formariam a AP, de onde vieram os presidentes da UNE nos anos de 61 a 64. (Falamos disso há pouco, lembra?) A maioria do clero, entretanto, continuaria muito reacionária. Havia até a extrema direita, ligada a figuras tradicionalistas como Dom Castro Mayer e Dom Geraldo Sigaud, que trocava figurinhas como uma organização católica fascistóide, a TFP (Tradição Família e Propriedade). No Nordeste, os padres tentavam formar sindicatos rurais controlados pela Igreja e contrários às ligas camponesas. Na véspera do golpe, padres e freiras organizaram passeatas com milhares de pessoas apoiando uma intervenção militar.
Quem não estava gostando nem um pouquinho das travessuras de Goulart era o Departamento de Estado dos EUA. As propostas nacionalistas de controlar a remessa de lucros das multinacionais para o estrangeiro, de entregar à Petrobrás o refino de todo o petróleo e de estatizar diversas companhias norte-americanas eram muito desagradáveis para Tio Sam.
O grande fantasma da época foi a Revolução Cubana, liderada por Fidel Castro. Socialismo, guerrilha, Che Guevara, marxismo, essas coisas estavam virando moda entre os estudantes. E se na miséria nordestina surgissem focos guerrilheiros? Nos anos 60 e 70, no Brasil e em quase todos os nossos vizinhos latino-americanos foram dados golpes militares. Por trás, o pavor da repetição de Cuba.
No Brasil, a direita também se organizava. Na época das eleições, o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) enchia as televisões, rádios e jornais com publicidade política a favor de candidatos udenistas ou semelhantes. Centenas de candidatos tiveram a campanha eleitoral financiada pelo IBAD, que por sua vez recebeu grana direta dos EUA (através da CIA) e de grandes multinacionais instala das no Brasil. Financiamentos ilegais, diga-se de passagem, Houve investigação e as provas apareceram. Mas Jango, querendo mostrar boa vontade com os EUA, mandou deixar para lá.
O IPES (Instituto Brasileiro de Pesquisas Sociais) planejava propagandas em veículos de comunicação atacando os comunistas, os nacionalistas e João Goulart. O embaixador norte-americano, sr. Lincoln Gordon, tinha uma estranha liberdade de movimentos e um comprido focinho para se meter em assuntos alheios a seu país, Freqüentava quartéis, ouvia os lamúrios servis de Lacerda, mandava recados para a imprensa. É óbvio que a embaixada tinha se tornado um covil de agentes secretos da CIA, agindo nos bastidores a favor de um golpe militar.

Os militares

Por que os militares deram o golpe? Para começar, por causa da própria formação deles. Nas academias, tinham aprendido que as greves, os protestos sociais, as manifestações populares eram uma "baderna" intolerável. Para eles, o que faltava ao país era a "disciplina", a "ordem", Felizmente, o general e o almirante não ficam desempregados, nem recebem o salário ridículo de um peão. Mas essa boa condição, infelizmente, dificulta um pouco o entendimento pleno do drama dos trabalhadores assalariados.
É bom lembrarmos que os oficiais tinham irmãos, primos, tios que geralmente vinham da classe média. Foi dela que absorveram importantes valores. Portanto, muitos foram educados numa família conservadora, que não tolera a "baderna do zé-povinho". E aí tinham simpatia pela UDN e rejeitavam a aproximação populista de Jango com os sindicatos.
Os militares, como tantos brasileiros decentes, se enojavam com a existência de políticos corruptos. Naquela época, começou a rolar a idéia de que "A honestidade é de cor verde-oliva", ou seja, a cor da farda do Exército. Para muitos militares e civis, o país só teria governos honestos quando o Estado estivesse nas mãos dos generais. Um triste engano, porque nas ditaduras é que a corrupção rola solta, já que a sociedade não consegue fiscalizar mais nada.
Nas escolas militares, havia uma doutrinação anticomunista fortíssima. Qualquer greve era vista como "armação dos comunistas contra o Brasil",
O mais difícil de aceitar era a influência dos EUA sobre a capacitação de nossos militares. Alguns dos melhores oficiais do Brasil fizeram cursos de aprimoramento com os americanos, inclusive na Escola do Panamá, fundada em 1951. Voltavam de lá com a lição de que "O que é bom para os EUA é bom para o Brasil; o que é ruim para os EUA é ruim para o Brasil".
Aqui no Brasil, foi fundada em 1949 a ESG (Escola Superior de Guerra), Nela, desenvolveu-se a famosa DSN (Doutrina de Segurança Nacional), que fez a cabeça de muitos militares. Capacetes com idéias da Guerra Fria. Atenção: o golpe e a ditadura militar procuravam seguir os princípios da Doutrina de Segurança Nacional, divulgados pela ESG. Diga-se de passagem, na ESG estavam as cabeças militares mais preparadas - daí o apelido de Sorbonne (nome da famosa universidade francesa). À sua testa, o general Golbery do Couto e Silva (1911 - 1987), bruxo intelectual do regime pós-64.
Afinal, o que é a DSN? Apesar do nome nacional, teve origem nos EUA. Vamos resumir suas idéias. Para começar, a DSN considerava que praticamente já tinha começado a Terceira Guerra Mundial. Isso mesmo que você leu. Já dá para ver o quanto ela tinha da paranóia da Guerra Fria. Pois bem, a tal guerra mundial era do Mundo Livre contra o Comunismo Internacional. O lado do bem era o dos valores da civilização cristã ocidental tais como a propriedade privada, o individualismo, o capitalismo, as liberdades, a democracia. O inimigo era o mundo do mal, "do ateísmo, da imoralidade, da socialização dos meios de produção, do Estado totalitário, da ditadura monstruosa dos comunistas".
Acontece que "essa guerra não era como as outras", Porque o inimigo raramente atacava de frente (como atacou na Guerra da Coréia, 1951-53, ou na Guerra do Vietnã, nos anos 60). Ele preferia a guerra subversiva, ou seja, infiltrava-se na sociedade para ir minando por baixo, sem ninguém perceber. Os terríveis agentes comunistas "penetravam, camuflados, nos sindicatos, no Congresso, nas entidades estudantis, nos meios intelectuais, na imprensa e até nos quartéis. Enfraqueciam a moral, destruíam a estabilidade do país, tumultuavam de propósito. O caos servia aos desígnios dos vermelhos. Porque o passo seguinte era a guerra revolucionária através de greves gerais, guerrilha, formações de sovietes até a tomada do poder, quando o amado Brasil se tornaria uma província escrava da Rússia".
Como você vê, uma simples greve operária, uma sessão de cinema seguida de um debate com a platéia, a publicação de um livro, tudo isso era visto como resultado da infiltração de agentes soviéticos, cubanos ou chineses. Achavam que até a maconha e as revistinhas com mulher nua eram trazidas pelos malvados bolcheviques, dispostos a destruir a moral e a saúde de nossos jovens. Alguém precisava salvar o Brasil! Esse alguém, óbvio, eram os militares sempre alerta.
Acontece que a DSN não era apenas negativista, no sentido de querer negar, destruir uma situação. Ela tinha um lado construtivo, ou seja, propunha criar um novo país. Atenção para isso, porque era a mostra de que os militares pretendiam ficar muito tempo no governo.
A DSN ligava-se à uma visão geopolítica. A geopolítica foi inventada pelo imperialismo alemão no final do século XIX. Sua idéia é a de que o destino de um país se relaciona com suas condições geográficas. O general Golbery do Couto e Silva, especialista em geopolítica, cabeça-chefe da DSN brasileira, dizia que o Brasil, país gigantesco com população crescente, tinha o destino de se tornar a grande potência capitalista do Cone Sul. Para isso, os militares assumiriam a direção do país, mobilizando todos os recursos econômicos, políticos, psicossociais e militares. Era o binômio Segurança e Desenvolvimento, lema bem parecido com o velho “Ordem e Progresso” dos positivistas republicanos. De certo modo, também, a consagração dos velhos ideais tenentistas dos anos 2O, não é mesmo?
Pois só faltava a gotinha d'água para os militares agirem. Ela viria com a rebelião dos marinheiros e o famoso Comício da Central do Brasil.

O golpe militar de 1964

As lutas de classes chegaram ao ponto mais agudo. Valia tudo, até mesmo calúnias e baixíssimo nível. Madames subiam às favelas para alertar que "com Jango, em breve o comunismo vai mandar no Brasil. Aí, o Estado vai tomar tudo dos pobres, inclusive os filhos, que serão enviados para Moscou e nunca mais voltarão". Panfletos espalhavam que Jango baixaria um decreto ordenando que os moradores dividissem seus apartamentos com os favelados. Os famintos desceriam o morro aos gritos de "isso aqui é nosso!" para ocupar as casas das pessoas de bem. As solteironas se arrepiavam de medo dos curradores bolcheviques, com aquelas barbas cubanas, charutos enormes com a ponta em brasa, gritos selvagens de cossacos russos, exalando hálito de vodca e terríveis olhares de anos de leitura leninista misturados com a cobra pela propriedade alheia.
Brizola foi convidado a proferir uma palestra sobre “reforma agrária” em Minas Gerais. Não conseguiu. Um coro de senhoras e senhoritas, rezando o temo, pedia a Deus que livrasse o Brasil do comunismo e da reforma agrária. Como se Jesus fosse o paladino da desigualdade social!
Jango resolveu apresentar sua última carta: as reformas de base teriam de passar "por bem ou por mal", como se dizia. No dia 13 de mamo de 1964, apesar do feriado decretado de surpresa pelo governador Lacerda, um oceano de centenas de milhares de pessoas compareceram ao célebre Comício da Central do Brasil. Perto dali (estação de trens da Central, no Rio de Janeiro), ficava o Ministério da Guerra, com a estátua de Caxias olhando grave para aquelas faixas xingando Lacerda e os gorilas (generais golpistas), exigindo a reforma agrária, ao lado das inconfundíveis bandeiras vermelhas com foice e martelo. No comício, da bela e jovem esposa, João Goulart anunciou que estava enviando ao Congresso as primeiras reformas de base: expropriação de latifúndios improdutivos, nacionalização das refinarias de petróleo. A galera foi ao delírio de felicidade, sem ter noção de que em duas semanas Jango seria derrubado.
Meia dúzia de dias depois, foi a vez de a classe média paulista dar o troco. Associações de donas de casa, esposas de maridos com altos vencimentos mensais, damas da alta sociedade - preocupadas com as unhas, os vestidos da Maison Chanel e o comunismo -, pastores evangélicos, gigolôs, comerciantes, policiais, bicheiros, amantes de esposas de maridos com altos vencimentos mensais, associações de solteironas encalhadas, grupos de defesa dos cachorrinhos de pelúcia e demais organizações representativas mobilizaram milhares de fanáticos nas Marchas da Família com Deus pela Liberdade. Rezavam para que Deus preservasse os nossos valores; o latifúndio tão eterno quanto o Espírito Santo, as contas bancárias dos devotos do capital, a virgindade das mocinhas de família, a boca desdentada dos meninos favelados.
O toque final foi provocar as Forças Armadas. Os marujos da Marinha de Guerra criaram uma associação para defender seus interesses, quase um sindicato. Coisa absolutamente proibida pelos comandantes. Seu líder, o cabo Anselmo, era um sujeito estranho que adorava radicalizar. Parecia que gostava de ver o circo pegar fogo. Hoje, sabe-se o motivo. Cabo Anselmo já confessou que era um agente da CIA (serviço secreto dos EUA). Triste ironia da história; enquanto os almirantes caçavam e não encontravam agentes da KGB (espionagem da URSS), por debaixo das barbas deles havia um cara plantado pela CIA com a função de trans bordar o balde da paciência dos comandantes militares brasileiros.
Pois o ministro da Marinha proibiu que os marinheiros comemorassem o segundo aniversário de sua associação. Mesmo assim, eles fizeram a festa, lá na sede do sindicato de metalúrgicos do Rio de Janeiro. Para puni-los, deslocaram-se fuzileiros navais para a área. Mas em vez de prender os marinheiros, confraternizaram-se. Tal como no famoso filme O Encouraçado Potemkim. Por fim, os marinheiros se renderam porque tiveram a promessa de anistia de Jango, que foi cumprida. As Fonas Armadas jamais perdoariam o presidente por ter permitido O desrespeito à hierarquia militar.
A esquerda parecia não ver as nuvens pesadas no ar. Prestes deu entrevista dizendo que o PCB cortaria a cabeça dos gorilas (generais golpistas) caso tentassem algo. Pois eles tentaram...
No dia 31 de mano de 1964, o general Olímpio Mourão Filho botou o cachimbo na boca, deu umas baforadas, encheu o crânio de fumaça e precipitou o golpe. Tinha o apoio do governador mineiro (e banqueiro) Magalhães Pinto. Na Guanabara, Lacerda entrincheirou-se no Palácio Guanabara, aguardando O ataque dos fuzileiros navais liderados pelo comandante Aragão. Não houve ataque nenhum. Não houve choque militar, Não houve nenhum bloqueio.
Jango voou de Brasília para Porto Alegre. De lá, percebeu que a resistência faria correr o sangue dos brasileiros. Preferiu se exilar no Uruguai. Mas antes mesmo de renunciar, o senador Auro de Moura Andrade já anunciava o novo presidente: Ranieri Mazzilli, da Câmara dos Deputados.
Agora, curiosa coincidência, no momento em que os militares deram o golpe, havia uma força-tarefa da Marinha de Guerra norte-americana rumo à costa brasileira, incluindo porta-aviões, fragatas com mísseis, fuzileiros, o diabo. Operação secreta Brother Sam: se o golpe brasileiro não fosse vitorioso, nossos amiguinhos ianques dariam uma fona para os generais patrióticos verde-amarelos. Como é que sabemos disso? Porque os EUA são um país curioso: eles mesmos, alguns anos depois, revelaram ao mundo os documentos secretos da operação. Vantagens da democracia.


O significado real do golpe e da ditadura militar

Os militares tinham o projeto de mudar o Brasil profundamente. Por isso, chamaram o golpe de “Revolução de 1964”, Mas uma verdadeira revolução só acontece quando se muda radicalmente a estrutura econômica e política da sociedade. Por exemplo, a Revolução Francesa de 1789, que destruiu o sistema feudal e o absolutismo monárquico. Ou a Revolução Cubana de 1959, que acabou com o latifúndio e o poder das elites guiadas pelos EUA. No Brasil, a estrutura econômica continuou a mesma: capitalismo, latifúndios, forte presença do capital estrangeiro, Na estrutura política, o principal foi preservado: a burguesia continuava no poder. Apenas não o exercia diretamente, mas sob a proteção dos militares.
É um grande erro achar que o governo autoritário implantado em 1964 foi uma ditadura sobre toda a população, Ou que o poder político ficou todo na mão dos militares.
Ora, nós já vimos quem desejava a derrubada de Goulart; aqueles que se sentiram prejudicados pela organização popular e pelas Reformas de Base - os latifundiários, os grandes empresários, as multinacionais, os EUA. Vários historiadores e sociólogos já se fartaram de provar que foram eles que bolaram o golpe. Ou seja, Jango foi derrubado por uma conspiração conjunta de militares e também de civis.
Os militares foram os executores. Fizeram o serviço pesado. Mas os principais beneficiados com o regime militar foram os grandes empresários, Eles eram ministros, assessores, secretários. Viviam nos gabinetes em Brasília, pedindo favores, aconselhando, pressionando militares. O fato de a ditadura obrigar os trabalhadores a ficarem quietos deixou o campo livre para o mais selvagem dos capitalismos.
Na verdade, o regime militar foi uma ditadura militar e civil, Porque os civis foram a maioria dos governadores e prefeitos de capitais, havia um partido político que apoiava o regime (a Arena) e os ministros da área econômica (fundamental) eram todos civis. É ridículo achar que todos os militares foram corruptos. Ao contrário, a maioria dos generais, coronéis e almirantes não roubou dinheiro público. E se a gente pegar todo o dinheiro ganho pelos oficiais, incluindo as eventuais roubalheiras, certamente não chegará aos pés do que uma única multinacional lucrou no mesmo período.
Não podemos olhar a história de forma maniqueísta, achando que ela se reduz a uma briga entre os mocinhos e os bandidos. Claro que isso não quer dizer que não exista verdade, que qualquer interpretação da realidade seja válida ou que devamos aceitar tudo o que aconteceu. Mas nos alerta contra as simplificações. O que queremos dizer com isso? Que os militares não derrubaram Jango e implantaram uma ditadura porque queriam fazer do país um campo de caça para o capitalismo selvagem. Sim, a ditadura teve momentos de desrespeito aos direitos humanos e de exploração brutal do povo trabalhador, Mas nem todos os militares sabiam disso, vários deles acreditaram que estavam sendo patriotas, uns nem achavam que haveria uma ditadura, Pensaram que estavam evitando uma ditadura comunista ou uma ditadura de Jango (temiam que ele e Brizola fechassem o Congresso implantando algo parecido com o Estado Novo). Outros, orientados pela DSN, acreditavam que o novo regime iria beneficiar o Brasil.
As Forças Armadas planejavam a modernização econômica do Brasil, embora feita autoritariamente, Mas uma ditadura reprime ou incentiva a corrupção e a exploração do povo?
Karl Marx dizia que não se pode julgar uma pessoa a partir do que ela pensa sobre si mesma. O que vale para os regimes políticos, O projeto militar modernizou a economia mas favoreceu principalmente as elites. Foi isso que aconteceu, mesmo que não houvesse essa intenção. Portanto, aconteceram muitos erros, O passo inicial já era equivocado, Conhecer esses erros é uma arma de luta contra os que nos querem condenar a repeti-los.

DESEMPREGO NO BRASIL

Desemprego e Informalidade no Brasil
José Pastore
O Brasil tem três problemas graves na área trabalhista. Em primeiro lugar, destaca-se o desemprego de 10,5% que atinge cerca de 8 milhões de pessoas. Em segundo lugar, desponta a informalidade de 60% que envolve cerca de 48 milhões de brasileiros que trabalham sem proteções. Em terceiro lugar, está o alto nível de desavenças trabalhistas que se traduz em cerca de 2 milhões de processos que tramitam na Justiça do Trabalho. Ou seja, o Brasil é um país de poucos empregos, trabalho precário e conflito elevado.
Problemas dessa magnitude não podem ser resolvidos com propaganda política ou com passes de mágica. A geração de empregos e boas condições de trabalho dependem de três fatores básicos - crescimento econômico, educação de qualidade e legislação adequada.
O Brasil está mal nas três áreas. Nos últimos 20 anos, o país cresceu cerca de 2,5% anuais, que constitui uma média muito baixa para as necessidades de absorver cerca de 1,8 milhão de pessoas que entram anualmente no mercado de trabalho e para reduzir o grande estoque de desempregados e trabalhadores informais. No que tange à qualidade da educação, o país possui uma força de trabalho que, em média, tem apenas 6 anos de escola e má escola – o que é insuficiente para atender os desafios das mudanças meteóricas que ocorrem nas tecnologias e modos de produzir da sociedade do conhecimento. No campo da legislação, o Brasil do século 21 carrega a duras penas uma legislação formulada no início do século 20 e que se mostra cada vez mais disfuncional para proteger as novas formas de trabalhar assim como para estimular a geração de empregos formais nas pequenas e microempresas, do mundo urbano e rural.
A chegada a um nível de crescimento sustentado tem sido dificultada por um cipoal de problemas macroeconômicos que levou o país a praticar taxas de juros escorchantes e uma política tributária destrutiva para os que pretendem investir no lado real da economia.
O atingimento de um nível de educação de boa qualidade tem sido adiado pela conjunção da falta de boas escolas e bons professores com as deficiências sócio-culturais que atingem os numerosos grupos de baixa renda de norte a sul do país.
E, finalmente, a protelação da modernização das instituições do trabalho (legislação trabalhista, organização sindical e Justiça do Trabalho) tem sido causada pela falta de liderança dos governos e do medo dos parlamentares em perder votos na aprovação de medidas por eles julgadas como impopulares e interpretadas pela população como uma estratégia de retirar direitos conquistados ao longo de décadas.
Enquanto essas três providências não ocorrem, o Brasil continua com um baixo nível de investimentos produtivos e reduzida capacidade de gerar emprego e trabalho de boa qualidade. A alta informalidade, em si, agrava esse quadro, pois a evasão contributiva gera enormes déficits na Previdência Social (em 2005, foi quase R$ 40 bilhões) o que força o governo a recorrer ao mercado financeiro ou usar recursos do superávit fiscal. As das medidas desestimulam os investimentos e a geração de empregos. A primeira, porque força a subida da taxa de juros e a queda de investimentos privados. A segunda porque consome recursos púbicos que deveriam ser investidos nas áreas sociais que, como se sabe, além de urgentes, geram muito emprego.
A informalidade atinge em cheio as pequenas e microempresas que não têm condições de superar a burocracia de leis trabalhistas e previdenciárias detalhadíssimas e as despesas de contratação geradas por essas mesmas leis. Para empregar um funcionário legalmente, uma empresa tem de arcar com uma despesa de contratação de 103,46% como mostra a tabela abaixo.
Despesas de Contratação de Empregados Industriais Horistas
Tipos de Despesas
% sobre o Salário
Grupo A –Obrigações Sociais

Previdência Social
20,00
FGTS
8,50
Salário Educação
2,50
Acidentes do Trabalho (média)
2,00
SESI/SESC/SEST
1,50
SENAI/SENAC/SENAT
1,00
SEBRAE
0,60
INCRA
0,20
Subtotal A
36,30
Grupo B –Tempo não Trabalhado I
Repouso Semanal
18,91
Férias
9,45
Abono de Férias
3,64
Feriados
4,36
Aviso Prévio
1,32
Auxílio Enfermidade
0,55
Subtotal B
38,23
Grupo C –Tempo não Trabalhado II
13º Salário
10,91
Despesa de Rescisão Contratual
3,21
Subtotal C
14,12
Grupo D –Incidências Cumulativas

Incidência Cumulativa Grupo A/Grupo B
13,88
Incidência do FGTS s/13º sal.
0,93
Subtotal D
14,81
TOTAL GERAL
103,46
Fonte: Itens da Constituição Federal e da CLT.
Nenhuma dessas despesas pode ser negociada. Todas são compulsórias por força de leis ordinárias e Constituição Federal. Para a grande maioria das empresas, que são pequenas e microunidades, tais despesas são impraticáveis – o que as leva a contratar na informalidade ou simplesmente não contratar.
Em 1988, o Brasil cometeu o grave erro de "constitucionalizar" uma grande parte dos direitos até então garantidos por leis ordinárias. Agora é muito difícil encontrar parlamentares dispostos em "desconstitucionalizar" esses direitos, temendo, com isso, perder popularidade e base eleitoral.
Uma maneira mais amena de se conseguir uma mudança seria a de manter todos os direitos assegurados pela Constituição Federal (no artigo 7º. que trata dos direitos sociais) abrindo-se, porém, a possibilidade de negociação para quem o desejasse.
Mesmo assim essa mudança é difícil. Ela gera insegurança na população que não quer sair de uma situação de direitos garantidos a poucas pessoas (os incluídos) para uma situação de direitos negociados para muitas pessoas (os excluídos). O lobby dos incluídos é muito mais forte do que o descontentamento dos excluídos.
Por essa razão, o Brasil terá de se contentar, por ora, com reformas infra-constitucionais. Nesse campo, há que se considerar dois universos que, pela sua diversidade, exigem mudanças específicas.
Para os empregados, o Autor deste ensaio tem proposto a criação de um "Simples Trabalhista" que reduziria a burocracia e as despesas de contratação para as pequenas e microempresas – a exemplo do que fez, com sucesso, o Programa Simples aprovado em 1996.
Para os trabalhadores por conta própria, o Autor tem sugerido a criação de um sistema previdenciário diferenciado com alíquotas baixas e benefícios parciais para, com isso, estimular a vinculação daqueles trabalhadores à Previdência Social, garantido-lhes proteção e assegurando receita aos cofres do INSS.
Para os dois grupos, o Autor propõe a aprovação e implantação do Cartão Único de Identificação, reunindo informações trabalhistas, previdenciárias, da Receita Federal, do Registro Geral e da Justiça Eleitoral. Esse cartão seria o documento básico para o recebimento de benefícios e o exercício da cidadania.
Medidas como essa são parciais e graduais, mas têm a vantagem de serem politicamente viáveis e abrirem a porta para uma caminhada mais ambiciosa. Elas trariam para o mundo da proteção previdenciária, de forma lenta, cerca de 48 milhões de brasileiros que estão na informalidade, contribuindo assim para reduzir o déficit da Previdência Social e a taxa de juros e, conseqüentemente, a geração de empregos e de trabalho de melhor qualidade. Enquanto isso, a educação deveria avançar para assegurar maior qualidade à força de trabalho e produtividade mais alta à economia como um todo

RESUMO: A ÉTICA PROTESTANTE EO ESPÍRITO DO CAPITALISMO - MAX WEBER

RESENHA:
A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO
MAX WEBER
ÍNDICE
INTRODUÇÃO

Ciência e Cultura
I.Arte
A. Música
B. Arquitetura
C. Imprensa
II. Especialistas
2. Estado
3. Capitalismo
4. Renda
5. Ato de Economia "Capitalista"
6. Técnica e Capitalismo
7. Direito e Capitalismo
8. Características Peculiares do Racionalismo Ocidental
9. Conexões da Ética Econômica Moderna com a Ética Racional do Protestantismo Ascético: Um dos Aspéctos de Relação Causal

I PARTE
O PROBLEMA
CAPÍTULO I
Filiação Religiosa e Estratificação Social

10. Problema Histórico
11. Reforma
12. Calvinismo
13. Razão Econômica
14. Ensino
15. Racionalismo Econômico
16. Antíteses entre Catolicismo e Protestantismo
17. Católicos e Protestantes
18. O Calvinismo e a Reforma
19. Velho Protestantismo


CAPÍTULO II
O Espírito do Capitalismo

20. Espírito Capitalista
21. A História e o Objeto
22. Princípios de Franklin
23. Benjamin Franklin
24. Filosofia da Avareza
25. Jacobo Fugger
26. Utilitarismo
27. Utilidade da Virtude
28. Trabalho ou Negócio?
29. O Senhor Capital
30. Espírito Capitalista e Pré-Capitalista
31. O "Tradicionalismo" e o Moderno Capitalismo
32. Trabalho Qualificado (Intelectual)
33. Formação Religiosa e Educação Econômica
34. A "Satisfação das Necessidades" e o "Lucro" / "Tradicionalismo"
35. Modificações
36. Novo Capitalismo
37. Novos Empresários
38. Relação entre a Conduta Prática e os Princípios Religiosos
39. O "Tipo Ideal" de Empresário Capitalista
40. "Concepção de Mundo"
41. Nominalismo
42. Racionalismo Econômico


CAPÍTULO III
A Concepção de Vocação de Lutero
Tarefa da Investigação

43. "Profissão" ou Vocação?
44. Lutero e o Espírito do Capitalismo
45. Lutero e a Vida Profissional
46. Lutero e a Estrutura Social
47. Tradicionalismo Econômico
48. Trabalho Profissional e Idéias Religiosas
49. Tauler / Lutero
50. Calvinistas, Católicos e Luteranos
51. Calvino e Seitas "Puritanas"
52. Reforma e Capitalismo

II PARTE
A ÉTICA VOCACIONAL DO PROTESTANTISMO ASCÉTICO

CAPÍTULO IV
Fundamentos Religiosos Do Ascetísmo Laico

53. Ascetismo
54. Representantes Históricos
55. "Puritanismo" X Anglicanismo
56. Conduta Moral
57. Compêndios Casuísticos
58. Moralidade Ascética e Éticas Não-Dogmáticas

A - Calvinismo

59. Predestinação
I.Capítulo IX: Do livre arbítrio
II. Capítulo III: Do eterno decreto de Deus
III.Capítulo X: Da Vocação eficaz
IV.Capítulo V: Da Providência
60. Milton
61 Padres da Igreja Luterana
62. Calvinismo X Lutero e o Catolicismo
63. Puritanismo
64. O Mundo
65. A Fé
66. A Religiosidade
67. Vida Religiosa
68. A Ética Católica
69. A Igreja Católica frente ao Homem
70. A Graça Sacramental da Igreja Católica
71. O Destino do Calvinista
72. A Sustentação do Homem
73. Identidade entre Santo Inácio e Calvino
74. Metodização da Vida
75. Oposição entre Asceticismo Calvinista e Medieval
76. Racionalismo do Antigo Testamento
77. Consequência da Metodização


B - Pietismo

78. Predestinados
79. A Inauguração do Pietismo
80. O Caráter Histérico da Religiosidade
81. Efeito Prático dos Princópios Pietistas
82. Representantes do Luteranismo Alemão
I.Spencer
II. Francke
III. Zinzendorff
83. Tese Característica de Zinzendorff
84. O Elemento Ascético Racional
85. Idéias Fundamentais do Pietismo
86. A Evolução do Pietismo


C - Metodismo

87. Afinidade com o Pietismo Alemão
88. Metodismo X Pietismo Alemão
89. Metodismo X Calvinismo
90. Afinidade entre o Metodismo e o Calvinismo
91. As Obras
92. Metodismo X Igreja Oficial
93. A Concepção de Regeneração

D - Seitas Batistas

94. Ética
95. "Idolatria" e Religiosidade
96. Regeneração
97. Predestinação e o Caráter da Ética
98. Movimento Batista e a Vida Profissional
99. Moralidade
100. "Tunker"
101. Concepção Profissional Calvinista
102. Interesses Profissionais Econômicos
103. Efeitos do Calvinismo
104. Mercantilismo
105. Influência da Idéia Puritana sobre a Vida Econômica


CAPÍTULO V
A Ascese e o Espírito do Capitalismo

106. Ascese
107. Protestantismo e Atividade Econômica
108. Richard Baxter
109. Baxter e Calvino
110. Relação entre Baxter e São Tomás
111. Racionalização do Tempo
112. Racionalização da Conduta Sexual
113. O Trabalho como Fim Absoluto na Vida
114. Relação entre Baxter e São Tomás quanto ao Trabalho
115. Divisão do Trabalho
116. Religiosidade, Interesse Econômico e Profissionalização
I. Concepção Econômica
II. Baxter
117. Pragmatismo
118. Mentalidade Judáica e Ética Econômica
119. Burguesia Puritana
120. Vida Capitalista
121. Divertimentos Populares
122. Superstições e Irracionalismo de comportamento
123. Uniformização e Capitalismo
124. "Espírito do Capitalismo"
125. "Agricultura Racional"
126. O Moderno "Homem Econômico"
127. Religião e Riqueza
128. Raízes Religiosas e Plenitude Econômica
129. Empresário Burguês, Trabalhador e a Mais-Valia
130. Teoria dos Salários Baixos: Teoria da "Produtividade"
131. Zinzendorff, Seitas Batistas, Trabalho e Enriquecimento como Profissão
132. O Espírito do Ascetismo Cristão
133. Goethe
134. A Realização do Ascetismo
135. Capitalismo Vitorioso
136. Obra Inacabada de Weber, Ele Próprio Não Refutaria Sua Tese

SUMÁRIO

137. Um Breve Relato

UMA PEQUENA REFLEXÃO

INTRODUÇÃO:

1. Ciência e Cultura:
Índia, China, Babilônia, Egito através de conhecimentos empíricos pensaram sobre os problemas do mundo e da vida, filósofos racionalistas e teólogos fizeram suas observações, porém foi somente no Ocidente a partir de determinados fenômenos culturais é que pode-se sistematizar de forma pragmática a Ciência. É somente no Ocidente que existe uma ciência jurídica racional, contendo esquemas e categorias jurídicas do Direito romano e do Direito ocidental.

I. Arte:

A. Música:
O mesmo se dá em relação a arte, no caso da música, apesar dos povos terem muitos conhecimentos sobre a mesma, é somente no Ocidente que a música é harmônica racional, onde a orquestra possui seu quarteto de cordas como núcleo da organização de um conjunto de instrumentos, tendo como instrumentos básicos: órgão, piano e violino.

B. Arquitetura:
Desde a antiguidade, na Ásia e no Oriente, o arco em ojiva foi usado como decoração, porém somente no Ocidente é que se conhece a sua utilização racional no sentido de distribuição de peso, como cobertura de espaços, bem como a utilização em edifícios monumentais, abrangendo a escultura e a pintura pela utilização racional de linhas e de perspectiva espacial e da luz.


C. Imprensa:
Na China havia a tipografia, mas só no Ocidente que existe uma literatura da impressão, como a de revistas e jornais.


II. Especialistas:
Na China e no Islão havia Ensino Superior bem semelhantes a Universidades e Academias do Ocidente, porém não havia o ensino sistematizado e racional no sentido de formar especialistas, bem como o funcionário especializado, que é de muita importância para o Estado moderno e para a moderna economia européia. O funcionário especializado fora do Ocidente não tem nenhuma importância para a ordem social. A cultura ocidental é rechassada por conter uma enorme organização de funcionários especializados, desde técnicos a jurídicos, como elementos vitais do funcionamento da vida social.

2. Estado:
O Estado estamental só existe na Europa e somente no Ocidente existem Parlamentos com "representantes do povo" eleitos, com demagogos e governo de líderes com ministros responsáveis perante o parlamento. É natural que no mundo existam "partidos" no sentido de organizações que querem conquistar o mundo, ter poder. No ocidente, é que existe o "Estado" como organização política com uma "Constituição" racionalmente estabelecida, com um direito racionalmente instituido e uma administração feita por funcionários especializados. Leis fora do ocidente só existe de forma rudimentar, pois falta a combinação de elementos decisivos.

3. Capitalismo:
O capitalismo como poder mais importante da vida moderna busca o lucro, o enriquecimento. A tendência para o enriquecimento, para a obtenção do lucro é cobiçada por vários membros da sociedade: médicos, artistas, funcionários corruptos, soldados, ladrões e muitos mais. Em todas as épocas e em todos os lugares da Terra, em todas as circunstâncias em que exista a possibilidade objetiva de ganhar, de obter lucro, esta tendência para o enriquecimento mostra-se como uma constante.
O Capitalismo é o verdadeiro "espírito" da "ambição". O Capitalismo deveria se colocar como moderação racional do impulso irracional lucrativo, porém ele, na verdade, anda de mãos dadas com a ganância do trabalho incessante racional capitalista, a ganância sempre renovada pela rentabilidade.

4. Renda:
Dentro da ordem capitalista de economia, o esforço próprio quando não direcionado no sentido de conseguir rentabilidade está condenado ao fracasso.

5. Ato de Economia "Capitalista":
Coloca-se na espectativa de uma ganância própria de um jogo com probabilidade de troca, pacífica de lucro. Apesar de ser atual adquirir coisas por meios violentos, com leis próprias, não é oportuno fazê-lo, nem mesmo colocar na mesma categoria a atividade orientada para a troca.
O que interessa assinalar é que a atividade econômica consiste em um cálculo de valor obtido para o modo de realização. Nesse sentido, "Capitalismo" e "empresas capitalistas" (com racionalização de cálculo de capital) existem em todos os países civilizados do mundo: China, Índia, Babilônia, Egito, Antigüidade Helênica, Idade Média e Moderna. São economias em contínuo desenvolvimento, gerando empresas capitalistas, "indústrias" estáveis. A empresa capitalista com seu empresário são produto dos tempos mais remotos difundidos universalmente.
No Ocidente, o Capitalismo tem uma importância, formas, características e direções que não se tem em nenhum outro lugar. No mundo todo, existem pequenos e grandes comerciantes localizados e difundidos, negócios, bancos com várias funções, consignações e associações. Sempre houve coorporações públicas, elas já haviam aparecido na Babilônia, Grécia, China, Índia, Roma e em muitos outros lugares, estas financiavam guerras e piratarias, para construções de todo tipo: a política ultramarina serviu de empresário colonial, como compradora e cultivadora de plantações com trabalhadores escravos.
O aventureiro capitalista desempenhava o papel de administrador das repartições e de impostos. Era o arrendatário, o financiador partidário, inclusive na guerra civil, "especulador" do lucro que nunca deixou de existir.
No Ocidente, existe uma forma de capitalismo que não tem em nenhum outro lugar do mundo: a organização racional-capitalista do trabalho formalmente livre. A moderna organização racional do capitalismo europeu não seria possível sem a intervenção dos elementos determinantes de sua evolução: a separação da economia doméstica da indústria e a criação de uma contabilidade racional. A economia doméstica é contrária a economia ocidental. Fora do ocidente não existe organização racional do trabalho, nem mesmo um socialismo racional.
Sempre houve "luta de classes" entre credores e devedores, entre latifundiários e despossuídos, entre o servo da gleba e o senhor da terra, entre o comerciante e o consumidor; a luta tem características da Idade Média Ocidental entre os trabalhadores e os exploradores do trabalho, presente em todas as partes. Somente no Ocidente é que ocorre a nova oposição entre o grande empresário e o operário livre, por isso em nenhuma outra parte tenha sido possível a ocorrência do socialismo.
No que diz respeito a cultura da história universal, e do ponto de vista econômico o que mais interessa é a origem do capitalismo industrial burguês com a sua organização racional do trabalho livre, isto é, a origem da burguesia ocidental com suas características próprias, pois tem uma relação intrínsica, isto é, identifíca-se com a origem da organização capitalista do trabalho.

6. Técnica e Capitalismo:
O capitalismo moderno é influenciado pelos avanços da racionalidade técnica, pelos cálculos exatos; as ciências naturais e racionais com base na matemática e na experimentação tiveram grande impulso motivadas pela técnica e sua aplicação junto a economia propiciou progresso aos capitalistas, que é o resultado econômico desejado pelo Ocidente.

7. Direito e Capitalismo:
O desenvolvimento do moderno capitalismo industrial comercial necessita do Direito e da administração, com regras, para que haja uma indústria racional privada com capital fixo e cálculo seguro. Somente no Ocidente é possível um Direito e uma administração com perfeição formal técnico-jurídica. Tal desenvolvimento só foi possível por causa de um "racionalismo" específico e
peculiar da civilização ocidental, pois processos de racionalização podem se dar
em todas as partes e esferas de vida.

8. Características Peculiares do Racionalismo Ocidental:
Estas deram origem ao mesmo. O racionalismo econômico depende da técnica e do Direito racional, bem como da capacidade e apitdão dos homens para determinados tipos de conduta racional. Os elementos mais importantes desta conduta encontam-se no passado, nos poderes mágicos e religiosos e na idéia do dever ético. Este é o ponto central mais importante, isto é, como os mesmos determinam uma "mentalidade econômica", um "ethos" econômico.

9. Conecções da Ética Econômica Moderna com a Ética Racional do Protestantismo Ascético: Um dos Aspectos de Relação Causal:
Muitas culturas encontram-se em oposição a civilização ocidental, as conecções da ética religiosa são diversas entre as sociedades, cada país com sua conduta própria, tem suas influências características, que só podem ser captadas se forem confrontadas através de uma investigação etnográfica-folclórica.
No aspecto antropológico, é somente no Ocidente que se tem determinados tipos de racionalização, o fundamento para tal encontra-se em determinadas causas hereditárias, na herança biológica. Todo trabalho sociológico e histórico deve descobrir as influências e conecções causais que expliquem as reações às condições ambientais.


I PARTE
O PROBLEMA
CAPÍTULO I
Filiação Religiosa e Estratificação Social

São aspectos reais que tem poderosa influência na ordem externa, interessando o aspecto prático da religião, isto é, os proprietários do capital, a mão-de-obra mais qualificada, principalmente os tecnicos, os especialistas das
modernas emprêsas serem protestantes.
Tal consideração deve-se em parte a motivos históricos, que tem suas raízes no passado, onde a filiação religiosa não parece ser a causa de fenômenos econômicos e sim uma consequência dos mesmos.
A maioria das nações mais ricas se converteram no século XVI ao protestantismo, os efeitos desta conversão beneficiaram os protestantes na luta econômica pela existência.

10. Problema Histórico:
Por que eram estes e não outros que se mostraram predispostos para uma revolução eclesiástica? Possivelmente a ruptura com o tradicionalismo econômico pareceu ser no momento, favorável para uma inclinação da luta contra uma tradição religiosa e que acabou por rebelar-se contra as autoridades tradicionais.

11. Reforma:
A Reforma não significava unicamente a eliminação do poder eclesiástico sobre a vida, e sim a substituição de uma forma atual do mesmo por uma diferente, que interferisse de modo maior em todas as esferas da vida pública e privada, regulando a conduta individual.
Povos com economia moderna se submetem à Igreja Católica, "a qual castiga o herege mas que é indulgente com o pecador". A forma mais insuportável de controle eclesiástico sobre a vida individual é de domínio do calvinismo no século XVI e XVII em muitos países.

12. Calvinismo:
Países economicamente progressivos com classes médias recém "burguesas" aceitaram essa tirania puritana até então desconhecida, inclíndo uma defesa de um heroísmo de que a burguesia não havia dado prova até então.

13. Razão Econômica:
A porcentagem de católicos entre alunos e bacharéis dos centros "superiores" são inferiores à proporção demográfica. Bacharéis católicos que se dedicam a preparação para estudos técnicos e profissionais de tipo industrial e mercantil, em geral é inferior ao de protestantes.

14. Ensino:
Os católicos preferem formação do tipo humanista, tal fenômeno não se explica por uma causa econômica , pelo contrário, tem que ser levado em conta para explicar a menor participação dos católicos na vida capitalista.
O fato dos protestantes se lançarem mais que os católicos para postos superiores em fábricas e na burocracia industrial é porque existe uma relação causal entre a escolha de uma profissão e todo destino anterior a vida profissional que havia sido determinado pela educação de uma aptidão pessoal, em uma direção influenciada por uma atmosfera religiosa da pátria e do lugar.

15. Racionalismo Econômico:
Os protestantes mostram singular tendência para o racionalismo econômico, tendência esta não encontrada entre os católicos. A razão de distinta conduta está numa determinada característica pessoal permanente e somente em uma certa situação histórico-política.

16. Antíteses entre Catolicismo e Protestantismo:
Os ideais do catolicismo vão em direção a educar seus fiéis no sentido a indiferença para com os bens materiais, enquanto o protestantismo tem o "materialismo" como consequência de uma laicização.

17. Católicos e Protestantes:
É explicitado nesta obra que os protestantes colocam em xeque a abnegação dos católicos, o que existe é apenas uma suposta oposição entre os dois, na realidade esta oposição não ocorre, uma vez que ambos participam da atividade capitalista.

18. O Calvinismo e a Reforma:
A conjunção de uma educação ascética na juventude com a "virtude" capitalista no sentido dos negócios aliada a uma intensa religiosidade, estão em todos os atos da vida, constituindo grupos inteiros, seitas e igrejas mais importantes do calvinismo em qualquer lugar.
Na época da expansão da Reforma, nenhuma religião foi vinculada a uma classe social determinada, pois é característico, "típico" por exemplo que nas igrejas francesas hugonotas, o maior número de seus adptos eram formados por monjes e industriais (comerciantes, artesãos), em toda época da perseguição.
Os espanhois sabiam que a "heresia" "favorecia o espírito comercial", estava de acordo com o crescimento capitalista nos Países Baixos. Gothein qualifica a Diáspora calvinista como o "viveiro da economia capitalista". Existe uma conecção religiosa da vida e o desenrolar intenso do espírito comercial.

19. Velho Protestantismo:
Lutero, Calvino e outros tem pouco a ver com o que se chama hoje de "progresso", uma vez que eram hostis a muitos aspectos da vida moderna da qual o propósito protestante atual não pode relegar. O parentesco entre o velho e o novo protestantismo não encontra-se nas manifestações do espírito materialista, e sim nas suas características religiosas. Conforme Montesquieu, a contribuição que os ingleses deram ao mundo foram: a religião, o comércio e a liberdade. Tal pensamento coincide com a superioridade da ordem industrial, sua aptidão para a liberdade.

CAPÍTULO I
O Espírito do Capitalismo

20. Espírito Capitalista:
Não é uma definição, um conceito e sim um objeto que se investiga.. Este objeto é a "individualidade histórica", um conjunto de conexões na realidade histórica, que se agrupa conceitualmente como um todo, desde o ponto de vista de
sua significação cultural. Seu conteúdo se refere a um fenômeno cuja significação radica-se em sua peculiaridade individual. Tem que se levar em consideração os distintos elementos da realidade histórica, logo a definitiva determinação conceitual só pode se dar ao término da investigação.

21. A História e o Objeto:
É uma essencial característica de toda "formação de conceitos históricos", para seus fins metódicos, a articulação em conecções genéticas concretas, de ordem individual. Não se pode definir o objeto de antemão, apenas pode-se ter uma antecipação, uma descrição provisional do mesmo, do "espírito do capitalismo", espírito este que carece de uma relação direta com o religioso, sendo assim, encontra-se "isento de suposições".

22. Princípios de Franklin:
- "Pensa que tempo é dinheiro".
- "Pensa que crédito é dinheiro"
- "Pensa que o dinheiro é fértil e reprodutivo".
"Pensa que, segundo este refrão, um bom pagador é dono da bolsa alheia".
"Pontualidade e justiça em todos os negócios faz progredir na vida".
"As mais insiguinificantes ações podem influir sobre o crédito de um homem, por isto devem ser temidas por ele"
"Procurar aparecer sempre como um homem cuidadoso e honrado, assim seu crédito aumentará".
"Não deve o homem ter grandes despesas, deve economizar para o futuro". .
23. Benjamin Franklin:
Escreve com peculiar estilo, o "espírito do capitalismo", mas sua obra não contém todo o entendimento sobre tal "espírito". Segundo Franklin, o homem tem "espírito capitalista", mas não sabe ganhar dinheiro.

24. Filosofia da Avareza:
É o ideal do homem honrado dígno de crédito, e sobre tudo, a idéia de uma obrigação por parte do indivíduo frente a interesses, reconhecido como um fim em
sí, de aumentar seu capital. Não se trata apenas de uma técnica e sim de uma "ética" peculiar, não se trata simplesmente de ensinar a "prudência nos negócios" trata-se de um "ethos" que é expresso, e isto é o mais importante a assinalar.

25. Jacobo Fugger:
Segundo Fugger, ao se ganhar o bastante, era aconselhável abrir negócio próprio deixando o caminho livre para que outros tivessem a mesma oportunidade. Seu parecer, e sua aspiração de ganho, o "espírito", eram completamente distintos da posição espiritual de Franklin, a qual se manifesta como consequência de um espírito comercial atrevido e de uma inclinação pessoal de indiferença ética. O conceito deste "espírito do capitalismo" é utilizado no moderno capitalismo europeu-ocidental e americano.

26. Utilitarismo:
Todas as máximas morais de Franklin foram disvirtuadas no sentido utilitarista: a moralidade é útil porque proporciona crédito, o mesmo ocorre com a pontualidade, a laboriosidade, a moderação, e são virtudes por causa disto, de onde se parte, que a aparência de honradez prestasse idêntico serviço, onde o suficiente seria um parecer honrado. Quando Franklin trata a "conversão" à virtudes, como modéstia, é no sentido dos proveitos que a mesma proporciona, beneficiando concretamente ao indivíduo.
O Utilitarismo se baseia na idéia da aparência da virtude, quando assim se consegue o mesmo efeito que com a prática da virtude: consequência esta inseparável do mais estreito utilitarismo.

27. Utilidade da Virtude:
Franklin se refere a uma revelação divina, no sentido de haver descoberto a "utilidade" da virtude, desta maneira havia querido mostrar à Deus a via virtuosa, declarando que aqui existe algo mais que a simples envoltura de máximas puramente egocêntricas, por isto mesmo que nesta "ética" há aquisição de mais e mais dinheiro, evitando o gozo imoderado, como algo isento do ponto de vista utilitário, como um fim em sí, como algo transcendente frente a "felicidade" a utilidade do indivíduo em particular.
Não se trata de ganância para as satisfações de necessiadades vitais
materiais do homem, e sim o que este deve adquirir, por ser esta a finalidade de sua vida. Trata-se de uma "inversão" antinatural da relação entre o homem e o dinheiro, para o capitalismo, é algo evidente e natural e que ao mesmo tempo, contém uma série de sentimentos em íntima conexão com idéias religiosas.

28. Trabalho ou Negócio?
A ganância do dinheiro quando se verifica legalmente, representa, dentro da ordem econômica moderna, o resultado da expressão da virtude do trabalho, e esta virtude, é fácil reconhecer, constitui o cerne da moral de Franklin, tal como ele coloca em todos os seus trabalhos e exposições. É a idéia do dever profissional, de uma obrigação que o indivíduo deve sentir e a sente dentro de sua atividade "profissional", utilizando a própria força de trabalho e "capital", esta idéia é característica da "ética social" da civilização capitalista.

29. O Senhor Capital:
É o capitalismo, educa e cria pela via da seleção econômica os sujeitos (empresários e trabalhadores) que necessita. Esta seleção explica os fenômenos históricos. Esta idéia nasceu em grupos de homens. Para o materialismo histórico ingênuo, as "idéias" são "reflexos", "superestruturas" de situações econômicas na vida. Porém deve-se recordar que o "espírito capitalista" já existia antes do "desenrolar do capitalismo".
Na Antiguidade e na Idade Média, uma mentalidade como a que expressa nos escritos de Franklin, haveria sido proscrita como expressão de impura avareza, de sentimentos indígnos, como também haveria de sê-lo em todos os grupos não integrados na economia especificamente capitalista ou que não sabem se adaptar a ela.

30. Espírito Capitalista e Pré-Capitalista:
A diferença não está no grau de desenvolvimento do impulso de ganhar dinheiro e sim na submissão sem reservas, a um impulso incontrolado. A aquisição capitalista aventureira sempre foi natural em todas as sociedades econômicas que praticassem o comércio monetário, contendo uma ética desvalorizada. Mesmo diante do colapso da tradição a falta de ética não foi encorajada, simplesmente tida
como desagradável, como fato dado e infelizmente inevitável. Tal reserva era exposta nos tempos pré-capitalistas, onde a utilização racional do capital e trabalho não haviam constituído-se em forças dominantes da atividade econômica.
O capitalismo não pode utilizar como trabalhador o representante prático do liberalismo arbitrário indisciplinado, assim como não pode usar ( como ensinava Franklin) o homem de negócios que não sabe guardar a aparência de escrupolosidade.

31. O "Tradicionalismo" e o Moderno Capitalismo:
O "espírito" do capitalismo repousa no sentido de um novo estilo de vida sujeito a certas normas, submetido a uma "ética" determinada. No sentido do salário desejado, tem-se que os salários não aumentaram em relação aos rendimentos dos empresários, pelo contrário, diminuíram por conta da ganância extraordinária dos mesmos.
O "tradicionalismo" é expresso na conduta de que o homem quer "por natureza" não é ganhar mais e mais, senão viver pura e simplesmente, como sempre tem vivido, e ganhar o necessário para seguir vivendo.
O moderno capitalismo tem a intensão de acrescentar a "produtividade" do trabalho humano aumentando sua intensidade, no sentido de obtenção de lucro. Aumentando a jornada de trabalho, rebaixando os salários para forçar os trabalhadores a trabalhar mais que o devido para que os empresários continuem a obter seu lucro. Assim existe uma correlação entre o baixo nível de salários e o aumento da ganância do empresário.
O capitalismo tem como premissa básica que os salários inferiores são "produtivos", uma vez que aumentam o rendimento dos trabalhadores, tal pensamento encontra-se de acordo com o antigo calvinismo, o povo só trabalha demasiado porque é pobre.
Salário inferior não é idêntico a trabalho barato. Seguindo neste ponto de vista, o rendimento do trabalhador decaí quando o salário não basta para satisfazer suas necessidades fisiológicas.

32. Trabalho Qualificado (Intelectual):
Dentro do ponto de vista comercial, o salário baixo como base de desenvolvimento capitalista fracassa sempre quando se trata de conseguir produtos
que exijam um trabalho qualificado (intelectual), neste caso o salário baixo não é
rentável e causa efeitos contrários aos pretendidos, assim sendo é necessário levar em consideração a eterna questão de combinar a ganância costumeira com o máximo de comodidade e o mínimo de rendimento, e ainda mais, a prática do trabalho como um fim absoluto, como "profissão".
Esta mentalidade é produto de um processo educativo. Para o capitalismo hoje é fácil recrutar trabalhadores em todos países industriais e , dentro de cada país, em todas as esferas da industria, porém no passado, o problema era difícil em cada caso.

33. Formação Religiosa e Educação Econômica:
Quando as pessoas possuem uma específica formação religiosa, principalmente aquelas decorrentes da doutrina na predestinação são mais favoráveis a uma educação econômica, se sentem mais "obrigadas" ao trabalho, no sentido econômico, da ganância, em sua quantia, como também possuem um astero domínio sobre sí, uma moderação que aumenta sensivelmente a capacidade do rendimento do trabalho.
Deste forma fica provado que é possível considerar o trabalho como um fim em sí, como "profissão", que é o exigido pelo capitalismo, logo é possível superar a parsimônia tradicionalista. Através do capitalismo atual, e de indagações é possível observar épocas distintas da formação do mesmo e fazer conecções da capacidade capitalista de adaptação com os fatores religiosos.

34. A "Satisfação das Necessidades" e o "Lucro" / "Tradicionalismo".
O que Sombart chama de sistema da economia de "satisfação das necessidades" coincide com o que se chama de "tradicionalismo". Precisamente quando se compara conceitos "necessidade" e "necessidade tradicional". O que ele chama de "capitalismo" não se encontra na esfera das economias "aquisitivas", entra no âmbito das "economias de satisfação de necessidades".
Neste sentido, a expressão "espírito do capitalismo (moderno)" designa uma mentalidade que aspira obter um lucro propiciando sistematicamente uma profissão, uma ganância racionalmente legítima como que exposto por Franklin, é por isto que tal mentalidade tem encontrado sua realização na moderna empresa capitalista, ao mesmo tempo, que esta pode reconhecer o mais adequado impulso espiritual.
No século XVI ocorriam tipos de atividade econômica como as grandes exportações que só poderiam se dar na "forma" de empresa capitalista, mas é
possível que o "espírito" que animou sua direção fosse de um estreito tradicionalismo; tanto nos negócios, como os grandes bancos de emissão não poderiam ser dirigidos de outro modo; o grande comércio ultramarino durante várias épocas se apoiou em uma base de monopólios, regulamentações de caráter rigorosamente tradicionalista. Os comércios que necessitam de ajuda do Estado, estào em marcha de mudanças, pondo fim ao tradicionalismo, acabando com as formas do antigo sistema de trabalho doméstico.
No passado, a ganância era razoável, a suficiente para se viver decentemente e, capaz de contribuir para a formação de um pequeno capital, no geral, os concorrentes davam-se bem entre sí, pela grande coincidência nos princípios do negócio; visitavam-se, bebiam juntos, enfim, tinham um rítmo moderado de vida.
Era uma economia "tradicionalista" , se considerar o espírito que animava os empresários: o gênero tradicional de vida, a ganância tradicional, a medida tradicional do trabalho, o modo tradicional de levar o negócio, a relação com os trabalhadores, a clientela tradicional e o modo tradicional de tratar com a mesma, de efetuar transações. Este tradicionalismo dominava a prática do negócio e pode-se dizer que constituia a base de um "ethos" deste tipo de empresário.

35. Modificações:
Este bem-estar foi pertubado, se bem que não produziu uma variação fundamental na forma de organização. Tratáva-se de adaptação as novas necessidades e desejos dos compradores, uma "acomodação ao gosto" de cada um, começou-se a colocar em prática o princípio: "preço barato, grande consumo".
Desta forma teria início o processo de "racionalização", o início da luta áspera entre os concorrentes, constituição de patrimônios consideráveis, que não eram simplesmente fontes de renda, mas sim voltado para negócios; a vida pacífica deu lugar a uma austera sobriedade, onde havia a preocupação em não gastar para enriquecer. O mais interessante é que não era a influência do dinheiro novo que provocava esta revolução, era o novo espírito, o "espírito do capitalismo" que havia se introduzido.

36. Novo Capitalismo:
Quando este desperta e se impõe, cria as possibilidades que lhe servem de meio de ação. Porém este novo espírito não se introduz de modo pacífico. Desconfiança, ódio, indignação moral envolveu os primeiros inovadores.
Este "novo estilo" fazia com que o empresário devesse manter domínio sobre sí, e para salvar-se do naufrágio moral e econômico deveria ter extraordinária firmeza de caráter; e além de sua clara visão e de sua capacidade para a ação, este deveria possuir qualidades "éticas" claras para ganhar a confiança indispensável da clientela e dos trabalhadores, devendo ter além disto força suficiente para vencer as inúmeras resistências que ele haveria de se chocar em todos os momentos.
E sobre tudo isto este homem deveria ter extraordinária capacidade para o trabalho que se faz necessário para um empresário desta natureza, o que é incompatível com uma vida de prazeres. Este novo espírito encarna qualidades éticas específicas, de natureza distinta as que se adaptam ao tradicionalismo dos tempos passados.

37. Novos Empresários:
Nào eram especuladores, e sim escrupulosos, de natureza própria, específica para a aventura econômica, nào eram endinheirados que criaram este novo estilo de vida retraído, porém sendo assim possibilitavam o desenvolvimento da economia. Eram homens educados na dura escola da vida, prudentes e fortes, sobrios e perseverantes, entregues ao trabalho com devoção, com concepções e "princípios" rigidamente burgueses.

38. Relação entre a Conduta Prática e os Princípios Religiosos:
Muitos acreditam que qualidades morais pessoais não tem nada a ver com determinadas máximas éticas, com pensamentos religiosos, e que portanto, o fundamento próprio do sentido mercantilista da vida é de caráter negativo, e quando relacionados é também de caráter negativo.

39. O "Tipo Ideal" de Empresário Capitalista:
Nada tem haver com ostentação grosseira ou refinada, evita o gôzo de seu
poder, embaraça-se quando reconhecido socialmente. A regra é antes de tudo ser modesto, antes que ser reservado. Sua riqueza não é para sí, existindo somente a sensassão irracional de haver "cumprido" apropriadamente sua obrigação.
Atualmente, com nossas instituições políticas, civis e comerciais, com as
atuais formas da indústria e a estrutura própria de nossa economia, este "espírito" do capitalismo poderia explicar-se, como produto de adaptação. A ordem econômica capitalista necessita esta entrega a "profissão" de enriquecer, é uma espécie de comportamento perante aos bens externos, adequado a estrutura, ligado a condições de triunfo na luta econômica pela existência, não é possível hoje se falar que exista uma conexão necessária entre esse comportamento prático e uma determinada "concepção unitária do mundo".

40. "Concepção de Mundo":
É determinada pela situação dos interesses político-comerciais e político-sociais. Quem não adapta sua conduta prática a condições do êxito capitalista, não consegue enriquecer. Assim como só foi possível o rompimento com as formas de constituição econômica medieval apoiando-se no poder do Estado moderno, o mesmo pode ocorrer em relação aos poderes religiosos.

41. Nominalismo:
Alguns moralistas , da escola nominalista, aceitaram como dadas as formas implantadas da vida capitalista, tratando de mostrar sua licitude, sobre a necessidade do comércio, mas provando que a "indústria" desenvolvida constitua uma frente legítima de ganância, eticamente irreprovável, e ao mesmo tempo, falaram da doutrina dominante considerando como lucro inevitável o "espírito" do proveito capitalista, o qual não podiam valorizá-lo do ponto de vista ético. Desta forma, segundo eles, torna-se impossível uma doutrina "ética" como a de B. Franklin.

42. Racionalismo Econômico:
É o motivo fundamental da moderna econômia. Conforme Sombart, é um crescimento da produtividade do trabalho que visa romper os estreitos limites "orgânicos" naturalmente dados da pessoa humana, quando submetido todo o
processo da produção a pontos de vista científicos. Este processo de racionalização na esfera da técnica e da econômia influê sobre o "ideal de vida" da moderna sociedade burguesa.
A idéia de que o trabalho está a serviço de uma racionalização de bens materiais para prover a humanidade, tem estado sempre presente na mente dos representantes do "espírito capitalista" como um dos fins que tem marcado diretrizes a sua atividade.
Conforme Franklin escreveu, o racionalismo econômico se dá quando o moderno empresário, com uma alegria vital, de cunho "idealista" , proporcionada pela satisfação do orgulho de "haver dado trabalho" a muitos homens e de ter contribuído para o "florescimento" econômico de sua cidade, no sentido sensitário e comercial vê tal feito como uma das mais importantes finalidades de sua vida profissional.
Uma das propriedades da econômia privada capitalista é também estar racionalizada sobre a base do mais estreito cálculo, estar ordenada com planejamento e austeridade, no sentido do êxito econômico aspirado, em oposição ao estilo de vida do campesinato, e do "capitalismo aventureiro", que atende mais ao êxito político e a especulação irracional.

CAPÍTULO II
A Concepção de Vocação de Lutero
Tarefa da Investigação

43. "Profissão " ou Vocação?
A palavra "profissão" através de distintas línguas carrega a idéia de uma missão imposta por Deus, não demorou para que todos os povos protestantes adotassem seu significado atual, no sentido de vocação, "dever", "ofício", no sentido puramente profano.
Não é somente no sentido literal, mas também como idéia é nova, é
produto da Reforma. Nem na Antiguidade, nem na Idade Média a idéia do trabalho implicava na idéia de uma profissão, é novo seu conteúdo de conduta moral, como sentimento de um dever no cumprimento da tarefa profissional no mundo. Como consequência, o sentido sagrado do trabalho é que engendrou o conceito ético-religioso de profissão.
Em Lutero, esta idéia se desenrola durante os primeiros dez anos de sua atividade reformadora. Em princípio, seguindo a tradição medieval representada
por São Tomás de Aquino, estimava que o trabalho no mundo, quando desejado por Deus, pertence a ordem da matéria sendo como um fundamento natural indispensável da vida religiosa, não suceptível de valoração ética.
Segundo Lutero, é evidente que somente a vida contemplativa carece de valor para justificar-se perante Deus, sendo produto de desamor egoísta, por isso é necessário submeter-se ao cumprimento de deveres que precisa-se cumprir no mundo. Surge assim a idéia do trabalho profissional como manifestação palpável de amor ao próximo, onde o cumprimento das tarefas é o único caminho para satisfazer a Deus, e isto ocorre porque assim Deus quer, e que portanto, toda a profissão lícita possue diante de Deus o mesmo valor.

44. Lutero e o Espírito do Capitalismo:
Não existe afinidade íntima entre os dois. Os círculos eclesiásticos que fizeram parte da Reforma, não são de modo algum amigos do capitalismo, em nenhum sentido. Ele era contra a usura e os juros. O efeito da Reforma, em contraste com a concepção católica, foi aumentar a ênfase moral e o prêmio religioso para o trabalho secular e profissional.
O posterior desenvolvimento da concepção de vocação, passou a depender do desenvolvimento da religiosidade, que daí para frente foi se dividindo nas várias igrejas reformadas. A autoridade da Bíblia, da qual Lutero acreditava retirar a autoridade de sua concepção de vocação, favorecia em seu todo uma interpretação tradicionalista.
A aspiração para acumular bens materiais em medida superior a própria necessidade, manisfesta um estado de graça insuficiente, é condenável, e só pode ter realização as custas dos outros.

45. Lutero e a Vida Profissional:
Lutero estima o trabalho profissional, a medida que se engendra nas disputas e nos negócios deste mundo. O exercício de uma determinada profissão constitui um mandamento que Deus dirige a cada um, obrigando a permanecer na situação em que se encontre colocado pela divina providência.

46. Lutero e a Estrutura Social:
Este tipo de conceito de estrutura social é típico da Idade Média, uma concepção tradicionalista análoga a idéia de "destino"; cada qual deve permanecer na profissão no estado em que seja colocado por Deus de uma vez para sempre e conter dentro destes limites todas as aspirações e esforços deste mundo.

47. Tradicionalismo Econômico:
É resultado dessa estrutura social, que em princípio era resultado de uma indiferença, e que mais tarde passou a ser fruto da crença cada vez mais forte na predestinação, que identifica a obediência incondicional aos preceitos divinos, e a incondicional resignação como é posto em que cada qual se encontra situado no mundo.

48. Trabalho Profissional e Idéias Religiosas:
Lutero baseou-se em princípios novos fundamentais para a vinculação do trabalho profissional com as idéias religiosas. A pureza da doutrina, como o único critério infalível de sua Igreja, afirmada por ele, cada vez mais rígidamente depois de vinte anos de luta, constituía em sí mesma um obstáculo para desenvolver pontos de vista novos no terreno ético. Desse modo, o conceito de profissão manteve todavia em Lutero um caráter tradicionalista.

49. Tauler / Lutero:
A ética religiosa medieval traz a idéia de profissão no sentido luterano. Assim como Lutero, Tauler valorizava as profissões intelectuais e profanas e, em geral estimava menos as formas tradicionais do trabalho ascético, e consequentemente não gostava do valor exclusivo reconhecido da recepção estático-contemplativa do espírito divino pela alma.

50. Calvinistas, Católicos e Luteranos:
A reforma seria inimaginável sem a evolução personalíssima de Lutero e a própria personalidade deste é que deu um selo permanente; porém sua obra não seria duradoura sem o calvinismo. Por esta razão é que os católicos e luteranos aborreciam-se igualmente com o calvinismo, a raiz está em sua ética. A relação entre a vida religiosa e as obras deste mundo é do tipo essencialmente distinto entre calvinistas, católicos e luteranos. Tal aspecto aparece incluso na literatura religiosa.

51. Calvino e Seitas "Puritanas":
Quando se investiga as relações entre a antiga ética protestante e a evolução do espírito capitalista parte-se das criações de Calvino, do calvinismo e de outras seitas "puritanas", não pretende-se afirmar que os fundadores, representantes destas se encontrem no despertar do que se chama "espírito do capitalismo", como finalidade de seus trabalhos e atividades vitais.
Nenhum deles considerava a aspiração aos bens terrenos como um valor ético, como um fim em sí. Nenhum dos reformadores deu importância primordial aos programas de reforma moral, não eram fundadores de associações de cultura ética nem representavam aspirações humanitárias de reforma social e de ideais de cultura.
A salvação da alma e só isto era o desejo de Calvino, desejo de sua vida e sua ação. Suas aspirações éticas e os efeitos práticos de sua doutrina tinham uma finalidade primordial e eram meras consequências de princípios exclusivamente religiosos. Por isto os efeitos da Reforma na ordem da civilização, por preponderantes que se queira considerar, eram consequências imprevistas e espontâneas do trabalho dos reformadores desviadas e diretamente contrárias a que eles pensavam e se propunham.

52. Reforma e Capitalismo:
Para que fosse possível a sobrevivência da novas Igrejas criadas, é evidente que deveria cooperar incontáveis condições históricas, que não se engajam em nenhuma "lei econômica", e são radicalmente insuceptíveis de ser consideradas do
ponto de vista econômico; e sobre tudo influênciariam politicamente. Seria
igualmente absurdo defender teses doutrinárias segundo a qual o "espírito capitalista" só poderia ter nascido por influência da Reforma, como que o capitalismo fosse um produto da mesma.
Em primeiro lugar, existem formas importantes de econômia capitalista que são notoriamente anteriores a Reforma, e isto desmente as teses pretendidas. É importante assinalar a existência de influências religiosas na expansão quantitativa daquele "espírito" sobre o mundo, e que aspectos concretos da civilização capitalista se devem a elas.
Dada a variedade de recíprocas influências entre os fundamentos materiais, as formas de organização político-social e o conteúdo espiritual das distintas épocas da Reforma, a investigação há de concretizar-se a fim de estabelecer se haviam existido e em que pontos, "afinidades eletivas" entre certas modalidades da fé religiosa e a ética profissional.

II PARTE
A Ética Vocacional Do Protestantismo Ascético
CAPÍTULO IV
Fundamentos Religiosos Do Ascetismo Laico

53. Ascetismo:
Conjunto de práticas de abstinência com fins espirituais ou religiosos.

54. Representantes Históricos:
Os representantes históricos do protestantismo ascético são fundamentalmente quatro: Calvinismo, Pietismo, Metodismo e as seitas que derivam do movimento Batista.
O Metodismo nasceu dentro da Igreja oficial anglicana e depois se separou da mesma. O Pietismo veio do Calvinismo inglês e singurlamente do holandês, mais tarde se incorporou ao Luteranismo por razões dogmáticas, e mais tarde se converteu no Metodismo contra sua vontade.

55. "Puritanismo" X Anglicanismo:
A massa de seguidores, como os defensores do movimento ascético, que em seu sentido mais amplo foi definido como "puritanismo" atacaram os fundamentos do Anglicanismo. A oposição dava-se principalmente pelas diferenças dogmáticas relativas a justificação e a predestinação, mesclando-se nas mais variadas combinações e de ordinário, impediam no começo do século XVII a manutenção de uma comunidade eclesiástica.

56. Conduta moral:
As manifestações mais importantes da conduta moral encontram-se ao mesmo tempo em todas as seitas surgidas de uma ou da combinação de várias assinaladas anteriormente. As mesmas máximas morais, podem apoiar-se em fundamentos dogmáticos diferentes.

57. Compêndios Casuísticos:
Eram escritos que constituíam uma preciosa ajuda para a cura das almas. Em relação a esses, haviam grandes semelhanças entre distintas seitas, porém diferiam notoriamente no modo de comportar-se na vida.

58. Moralidade Ascética e Éticas Não-Dogmáticas:
Raízes dogmáticas da moralidade ascética, tão distintas entre sí deixaram de existir depois de sérias lutas, porém a conexão com esses dogmas deixou a posteriori traços nas éticas não-dogmáticas, além disso, o conhecimento original de idéias pode clarear a conexão desta moralidade com a idéia do Além que estava presente entre os homens espirituais da época.
Sem o poder onipotente não poderia realizar-se nehuma moral, isto é, não seria possível revolução ética alguma de modo a influir na vida. O homem daquele tempo meditava sobre dogmas aparentemente abstratos numa medida somente compreensível quando se descobre sua conexão com interesses práticos da religiosidade.

A - Calvinismo

É uma idéia religiosa, que foi determinante de muitas lutas em torno da religião e da cultura nos países civilizados mais progressivos do ponto de vista do capitalismo (Países Baixos, Inglaterra e França) durante os séculos XVI e XVII. Seu dogma característico é a "predestinação", é o dogma mais "essencial" da Igreja reformada.

59. Predestinação:

I. Capítulo IX: Do livre arbítrio:
Quando o homem caí em pecado, perde a capacidade de encaminhar-se ao bem espiritual e a salvação, de modo que afastado do bem e morto no pecado, não é capaz de converter-se e nem de preparar-se.

II. Capítulo III: Do eterno decreto de Deus:
Para revelar sua magestade, Deus por seu decreto destinou (predestinou) a uns homens a vida eterna e setenciou a outros a eterna morte. Aos que estão destinados à vida tem sido eleitos em Cristo para a glória eterna por Deus, antes da criação, por seu desígnio eterno e imutável, por seu decreto secreto e o arbítrio de sua vontade, por livre amor e graça, tudo é prêmio de sua graça soberana. Conforme a vontade de Deus, aos restantes mortais, seguindo o desígnio de sua vontade, ele distribuí e se reserva o direito de negar, condena-os a desonra e à ira por seu pecado para a honra de seu ilimitado poder sobre as criaturas.

III. Capítulo X: Da vocação eficaz:
É do agrado de Deus chamar por sua palavra e seu espírito a todos aqueles a quem destinou a vida, e somente a estes, no tempo conveniente e determinado por ele, tirando-lhes seus corações de pedra e dando-lhes um coração de carne, renovando suas vontades e decidindo-lhes, por sua firmeza onipotente, a optar pelo que é bom.

IV. Capítulo V: Da Providência:
No que diz respeito aos homens maus e impuros, aos que Deus como juíz justo, ele os afasta de sua graça, e por vezes lhes tira os dons que tinham e os põem em relação aos objetos de suas corrupções na ocasião de pecado, entregando-lhes aos seus próprios prazeres, as tentações do mundo e ao poder de Satanás, de onde sucede que se endurecem e pelos mesmos meios se serve Deus para abrandar aos outros.

60. Milton:
Sua opinião sobre a doutrina: "Mesmo que possa ser mandado para o inferno por isto, tal vontade divina nunca receberá meu respeito". Ele ainda dizia no Paraíso Perdido: "Antes reinar no Inferno, do que servir no Paraíso".

61. Padres da Igreja Luterana:
Era dogma que a graça podia perder-se, mas poderia-se recuperá-la por meio da humildade e do arrependimento, a confiança crescente na palavra de Deus e nos sacramentos.

62. Calvino X Lutero e o Catolicismo:
Ao contrário de Lutero, a direção de seu pensamento lógico está em seus interesses religiosos, orientado somente à Deus e não aos homens, para ele somente um pequeno número de homens é chamado a salvar-se. Deus é livre e sua decisão não está submetida a lei alguma.
O destino dos homens a Deus pertence, para além do entendimento humano, os condenados, ou os excomulgados podiam pertencer a Igreja, mas somente no sentido de submeter-se à sua disciplina, para a glória de Deus, mas não podiam salvar-se. Neste sentido existia a eliminação da salvação através da Igreja e dos sacramentos, esta era a diferença central entre o calvinismo e o catolicismo..

63. Puritanismo:
Rejeitava cerimônias religiosas ou rituais na hora da morte, para não ser reestabelecida superstições em forças de salvação mágicas. O indivíduo vive uma solidão interna, que leva a atitude negativa do puritanismo onde a cultura e a religiosidade são inúteis para salvação propiciando um individualismo pessimista, onde nem mesmo se concebe a existência de uma possível amizade entre os homens, devendo-se desconfiar de tudo e de todos, apenas ter Deus como confidente, levando ao desaparecimento da confissão e consequentemente ao isolamento espiritual.

64. O Mundo:
Existe apenas para a glorificação de Deus, o homem está inserido no mundo para aumentar a glória de Deus, as obras sociais destinadas a Deus, aparecem como vocações, sob a forma de "amor ao próximo", objetivo, imparcial, intelectualizado, representando um valor ético diante do cosmos.

65. A Fé:
Cada homem a princípio é escolhido por Deus, desta forma combate todas as dúvidas e ao demônio, sua autoconfiança resulta de sua fé que fortalece a dedicação na luta diária pela vida dinamizando o mercado capitalista através de uma incessante atividade profissional.

66. A Religiosidade:
É o mais firme apoio a realidade, contribuíndo indiretamente para a racionalização da conduta prática.

67. Vida Religiosa:
Em Lutero tende para o misticismo e para a emotividade, em Calvino para a ação ascética, onde o estado de graça tem haver com resultados objetivos, de obras realizadas por conta de uma conduta eficaz constante, significando que Deus ajuda a quem se ajuda a sí mesmo. O calvinista crê por sí mesmo a sua própria salvação, assegurando a sí mesmo, consistindo num sistemático auto-controle, cada dia encontra-se ante a alternativa: eleito ou condenado?

68. A Ética Católica:
Na Idade Média, era a "ética da intenção", onde o valor de cada ação decidia sua concreta intenção, e cada ação boa ou má, era imputada a seu autor, influenciando sobre seu destino temporal e eterno.

69. A Igreja Católica Frente ao Homem:
Seu pensamento tinha critério realista, que o homem não constituia em absoluto uma unidade determinada e valorosa dentro de um único ponto de vista, senão que, normalmente, a conduta humana é algo contraditório, por influência de motivações opostas. Mesmo assim a Igreja exigia do homem uma radical mudança de vida e quando este homem não correspondia ao ideal, a mesma através de seu poder e educação aplicava o instrumento do sacramento da penitência.

70. A Graça Sacramental da Igreja Católica:
Estava a disposição do católico como meio de compensar sua própria insuficiência: O sacredote era um mago que fazia milagres, que tinha em suas mãos a chave do perdão, podía-se pedir ajuda a ele com humildade e arrependimento, e ele administrava penitências e outorgava esperanças de graça, segurança de perdão e garantia a emancipação da terrível angústia.

71. O Destino do Calvinista:
Era inexorável, nada podia redimí-lo, não haviam conselhos amistosos e humanos e de forma alguma existia reparação por meio de boas obras das horas de debilidade e leviandade. As boas obras para o calvinista encontrava-se em sua "santidade", não havia oscilação entre o pecado, o arrependimento, a penitência, não existia um estabelecimento de um saldo expiatório por penas temporais e canceladas por meios eclesiásticos da graça.

72. A Sustentação do Homem:
O que sustenta o homem é uma planificação e uma metodização, uma transformação no sentido da vida em cada hora e em cada ação. A vida do "santo" se encaminha para uma única finalidade: a salvação, por isso é que na vida tudo é racionalizado e dominado pela idéia exclusiva de aumentar a glória de Deus. Somente uma vida guiada por uma constante reflexão pode ser considerada como superação do status natural. Esta racionalização propiciou o caráter ascético e ao mesmo tempo, constitui a razão de sua íntima semelhança e de sua específica oposicão ao catolicismo, ao qual, naturalmente, não era estranha uma atitude semelhante.

73. Identidade entre Santo Inácio e Calvino:
Ativo domínio de sí mesmo, reservado auto-controle, educação no sentido de levar uma vida alerta, clara e consciente, onde a tarefa principal repousava em se terminar com a despreocupação e com a espontaneidade vital.

74. Metodização da Vida:
É a base do poder liberador do asceticismo, explica a maior capacidade do calvinismo frente ao luteranismo, no sentido de assegurar a consistência da Igreja reformada como eclesiástica militante.

75. Oposição entre Asceticismo Calvinista e Medieval:
Radica-se na transformação do asceticismo sobrenatural em uma atividade "profana", terrena. A ordem terceira de São Francisco, por exemplo, era um potente ensaio de penetração ascética na prática cotidiana da vida, diferentemente da Idade Média, onde o monge era separado do mundo, das relações sociais. A Reforma veio converter cada cristão a monge por toda a sua vida, através da comprovação da fé na vida profissional.
Os espíritos mais religiosos receberam impulso decisivo que os orientavam na prática do asceticismo, ao mesmo tempo, a fundamentação da ética profissional na doutrina da predestinação fez surgir no lugar da aristocracia espiritual dos monges situados fora da vida uma outra aristocracia, a dos "santos" no mundo, predestinados por Deus desde a eternidade, a qual estava separada do resto dos homens, condenados também desde a eternidade, por um abismo insondável e profundo. A "Bibliocracia" dos calvinistas manteve tanto os preceitos morais do Velho Testamento como apreço aos do Nôvo Testamento.

76. Racionalismo do Antigo Testamento:
Possuía um caráter tradicionalista e pequeno burguês, Benjamin Franklin oferece um exemplo clássico, uma contabilidade sinóptico-estadística dos progressos realizados por ele em cada uma das virtudes.

77. Consequência desta Metodização:
A consequência desta metodização da conduta ética, imposta pelo calvinismo (não pelo luteranismo), era uma penetrante cristianização de toda a existência, e esta radica a característica mais decisiva da reforma calvinista. A religiosidade calvinista, pressupõe a doutrina da predestinação como fundamento dogmático da ética puritana. A fé como ponto de partida da moral metódica mediante a doutrina da predestinação alcança sua praticidade na vida constituíndo-se na forma mais consequente da mesma.
Dentro do protestantismo, as consequências desta doutrina sobre a conduta ética de seus adeptos, constitui a mais radical antítese em relação a uma certa impotência ética do luteranismo.

B - Pietismo

Historicamente, a idéia da predestinação constitui o ponto de partida da direção ascética que se designa correntemente como "pietismo". Este movimento se manteve somente dentro da Igreja reformada, existem calvinistas pietistas e não-pietistas. Representantes mais notáveis do puritanismo foram tidos como pietistas, portanto considera-se como uma prolongação pietista a doutrina de Calvino, que tem por intenção a conexão da idéia de comprovação da doutrina da predestinação, com a aspiração a adquirir uma certitudo salutis subjetiva.

78. Predestinados:
Os predestinados eram acometidos por erros dogmáticos, e por outros pecados, a experiência ensinava que cristãos desorientados na teologia dogmática produziam os frutos mais maduros da fé, enquanto que o mero conhecimento teológico não implicava na segurança de uma regeneração, logo, o saber teológico não era garantia a eleição.

79. A Inauguração do Pietismo:
Deu-se com desconfiança na Igreja dos teólogos, a que permaneceu fiel oficialmente, limitando-se a agrupar os adeptos da praxis pietatis em "conventículos" apartados do mundo. A ecclesiola dos verdadeiros convertidos podiam alcançar neste mundo a bem-aventurança, pois a prática ascética realizava a comunidade com Deus. Esta aspiração tinha alguma semelhança com a unio mystica luterana e favorecia certa preponderância do aspecto sentimental da religião, isto é o que caracteriza o pietismo dentro da Igreja reformada, pois o fator sentimental da religiosidade, orientou a prática da religião pela via do gozo terreno da bem-aventurança afastando-a da luta ascética pela segurança de um mundo futuro.

80. O Caráter Histérico da Religiosidade:
Por causa do fator sentimental, muitas vezes a religiosidade foi exarcebada, através de estados de êxtasis religiosos, o que é oposto a austera e rígida disciplina que impunha ao homem puritano uma vida "santa" e sistemática. A idéia na predestinação podia converter-se em fatalismo quando era objeto de apropriação por parte dos afetos e dos sentimentos, em oposição as tendências genuínas da religiosidade calvinista racional.

81. Efeito Prático dos Princípios Pietistas:
O único efeito prático dos princípios pietistas foi um controle ascético da conduta profissional muito mais severo com enraizamento mais religioso da ética profissional, do que podia ter a simples "honradez" dos cristãos reformados normais, a quem os pietistas "finos" consideravam cristãos de segunda categoria.

82. Representantes do Luteranismo Alemão:
Spencer, Francke e Zinzendorff.

I. Spencer :
É influenciado pelos místicos, a doutrina carecia de coesão e tratou mais de descrever do que fundamentar o caráter sistemático da conduta cristã.

II. Francke:
Segundo ele, o trabalho profissional era um meio ascético por excelência; para ele era tão seguro, como para os puritanos, que Deus abençou dando-lhes êxito em seu trabalho. A tese sustentada por ele era que a graça só podia acontecer em algumas manifestações ocasionais e peculiares, porém trazendo "luta expiatória".

III. Zinzendorff:
A valorização religiosa de sí mesmo, o conduz a antiga idéia do "instrumento de Deus". Expressou com espírito puritano, a opinião de que apesar de um homem não reconhecer seu estado de graça, outros podem fazê-lo através de sua conduta.

83. Tese Característica de Zinzendorff:
A ingenuidade do sentimento religioso é prova de sua autenticidade, desprezando o racionalismo da conduta. Aspira que os homens sintam a "felicidade" nesta vida, por meio do sentimento, em lugar de forçar-lhes ao trabalho racional como modo de assegurar uma outra vida. Este foi um freio para a criação de uma ética profissional racional análoga a calvinista.

84. O Elemento Ascético-Racional:
No geral, dentro do pietismo, o elemento ascético-racional manteve a primasia sobre o fator sentimental. Existe uma insegurança do pietismo alemão, uma vacilação de seu ascetismo religioso em contraste com a férrea consequência do calvinismo que é devido a influências luteranas e ao caráter sentimental de sua religiosidade

85. Idéias Fundamentais do Pietismo:
1) A significação do estado de graça consiste no desenvolvimento da própria santificação no sentido de uma consolidação e perfeição crescente, controlado pela lei.
2) A providência de Deus é a que "opera" no homem perfeito, dando-se a conhecer na paciente perserverança e na reflexão metódica.

86. A Evolução do Pietismo:
Na busca da salvação, não é decisivo tanto a "santificação" prática mas a "remissão dos pecados", existe a necessidade de sentir nesta vida a reconciliação e a comunidade com Deus. No todo, a evolução do pietismo, de Spencer, Francke e Zinzendorff se orientou no sentido de uma crescente acentuação do fator sentimental. O calvinismo em comparação, está mais relacionado com o legalismo e com a emprêsa capitalista burguêsa.


C - O Metodismo

É o pietismo continental caracterizado pela união da religiosidade sentimental, com a crescente indiferença e uma repulsa pelos fundamentos dogmáticos do asceticismo calvinista. Consiste na "metodização" sistemática da conduta como meio de alcançar a certitudo salutis, é o que interessa em todos os momentos, em toda tendência religiosa.

87. Afinidade com o Pietismo Alemão:
Está no "método" aplicado especialmente para produzir o ato sentimental da "conversão" sobre as massas. Em reuniões públicas, através de êxtases religiosos buscava-se a consciência da justificação e a reconciliação com Deus.

88. Metodismo X Pietismo Alemão:
A diferença está no caráter emocional da religiosidade do metodismo que não deu lugar a um cristianismo sentimental puramente interior, a regenração dá um enfoque religioso a conduta prática.

89. Metodismo X Calvinismo:
Enquanto no calvinismo se considerava enganoso a exarcebação do sentimento, para o metodismo, é o fundamento incontrovertido da certitudo salutis, da segurança absoluta do agraciado, sentida por ele, derivada do testemunho direto do espírito e cuja origem devia constatar cada dia e cada hora. A finalidade da "santificação" é difícil ser alcançada nesta vida, porém deve ser aspirada incondicionalmente, por ser ela a garantia da certittudo salutis. Embora o auto-testemunho seja decisivo, existe a necessidade da conduta "santa" inspirada na lei.

90. Afinidade entre o Metodismo e o Calvinismo:
O significado da conduta era o mesmo, indispensável para controlar a verdadeira conversão.

91. As Obras:
São fundamentos cognoscitivos do estado de graça, sendo realizadas exclusivamente para a glória de Deus, foram consideradas como "condição da graça", insistindo em que quem não realiza boas obras não pode ser um bom crente. Aspira racionalmente à perfeição.

92. Metodismo X Igreja Oficial:
A principal diferença não estava na doutrina e sim na prática da piedade. O valor do "fruto" da fé apoiado no Evangelho de São João, I, 3, 9, considerou a conduta como claro significado da regeneração. Cada luta expiatória se unia a segurança da perseverança, havia uma segurança inabalável em ser "santo", levando a uma exaltação sentimental do tipo puritana.

93. A Concepção de Regeneração:
Constitui-se na segurança da salvação nascida sentimentalmente como fruto da fé, como fundamento imprescindível da santificação, com sua consequência de liberdade, contra o poder do pecado, como prova do estado de graça. O metodismo passou a ser a doutrina da graça e da eleição.


D - As Seitas Batistas

94. Ética:
A ética se encontra numa base diferente da doutrina calvinista. Constiui-se na apropriação interior da obra da redenção, realizada por intermédio da revelação individual, pela ação do espírito divino em cada caso. Frente a isso perdia a importância o valor da fé como conhecimento da doutrina da Igreja como meio de receber a divina graça pelo arrependimento. Como a verdadeira Igreja de Cristo, só os regenerados são irmãos de Cristo. Uma rígida bibliocracia imperava como modelo exemplar de vida e como consequência, uma estrita separação do "mundo".

95. "Idolatria" e Religiosidade:
Existia uma repulsa radical a "idolatria", era pretendida uma tenuação da veneração que só a Deus se deve, a conduta bíblica tem um caráter análogo a da conduta franciscana, onde a importância em última instância era do testemunho interior do Espírito da razão e da consciência, não concebia a doutrina eclesiástica da salvação desvalorizando os sacramentos, elevando o "desencantamento" religioso do mundo, acabou com batismo e comunhão.

96. Regeneração:
Operada pelo Espírito, quando entrega-se interiormente a ele, pode ser removido o pecado, não era regra geral alcançar a perfeição, mas a aspiração é a "pureza", no sentido da conduta. O afastamento do mundo, de seus interesses e a incondicional submissão à Deus que manda a consciência eram significados seguros de uma regeneração real, e a conduta correspondente era, portanto, um requisito para se conquistar as bem-aventuranças (dom gratuíto da graça divina).

97. Predestinação e o Caráter da Ética:
Esta doutrina foi abandonada, o caráter metódico da ética se baseava em "aguardar" a ação de Deus, essa silenciosa espera consiste em superar o instinto irracional, as paixões e "subjetividades" do "homem natural".

98. Movimento Batista e a Vida Profissional:
A ação calma do homem possibilitou uma educação na serenidade do trabalho reflexivo e na prática cuidadosa do exame individual da consciência e a consequência foi que a prática de virtudes como serenidade, austeridade e honradez, acabaram por fazer parte do trabalho profissional, respeitando a propriedade privada, colaborando para o desenvolvimento de aspectos básicos do espírito do capitalismo.

99. Moralidade:
Era rígida e severa, desde Lutero, se condenava o ascetismo sobrenatural monástico, considerando-o contrário ao espírito bíblico.

100. "Tunker":
Esta seita batista condena a educação, e qualquer posse além do indispensável à vida.

101. Concepção Profissional Calvinista:
A concepção profissional calvinista era análoga a que se encontrava em Spencer e nos pietistas alemães.


102. Interesses Profissionais Econômicos:
1) Não aceitação de cargos públicos
2) Hostilidade a qualquer estilo aristocrático de vida

103. Efeitos do Calvinismo:
Desencadearam as energias econômicas individuais, o lucro imoderado.

104. Mercantilismo:
O controle, verdadeiramente policial e inquisitorial, que as Igrejas oficiais calvinistas implantaram sobre a vida individual, podia melhor constituir na expansão das energias individuais requerida pela aspiração ascética de santificação metódica, e assim ocorreu em certas circunstâncias.
Assim a regulamentação mercantilista do Estado pode implantar indústrias novas, porém não foi capaz de engendrar diretamente o "espírito capitalista", pode-se até dizer que constituiu em um freio, pois essa regulamentação exagerou seu caráter policial-autoritário.
Assim também a regulamentaçào eclesiástica do ascetismo forçou a realização de uma conduta externa, porém refreiou os impulsos subjetivos que havia na conduta metódica.

105. Influência da Idéia Puritana Sobre a Vida Econômica:
A doutrina do "estado religioso de graça", como um status que afastava o homem do "mundo" não podia dar-se por meios mágico-sacramentais, nem pela confissão, nem pela piedade e sim pela comprovação de mudança de vida, clara, diferenciada da conduta do "homem natural", seguía-se que a partir daí, o indivíduo controlava metodicamente sua conduta e portanto ascetizava seu comportamento na vida. porém este estilo de vida racionalizava a existência, de acordo com os princípios divinos.
Este ascetismo consistia numa realização exigida a quem pretendesse ser "santo", na vida do mundo. Esta racionalização da conduta no mundo com finalidade para além deste mundo foi o efeito da concepçào que o protestantismo ascético teve da profissão.

CAPÍTULV
A Ascese e o Espírito do Capitalismo

106. Ascese:
Exercício prático que leva efetiva realização da virtude.

107. Prostestantismo e Atividade Econômica:
Para perceber as conexões das idéias religiosas do protestantismo ascético com as máximas da atividade econômica, deve-se recorrer aos escritos teológicos diretamente inspirados na prática da cura das almas; pois em uma época em que as preocupações sobre a outra vida era tudo, em que a admissão a comunhão dependia da posicão social do cristianismo, e em que a ação do sacerdote exercia uma influência da qual apenas pode-se formar idéia sobre os homens de hoje, é evidente que as energias religiosas que operam nesta prática haviam de ser necessariamente os fatores decisivos na formação do "caráter popular".

108. Richard Baxter:
Representante do puritanismo inglês, nasceu no seio do calvinismo, deu a idéia de profissão seu fundamento mais consequente. De posição prática e irônica, presbiteriano, emancipou-se da tutela dogmática da ortodoxia calvinista, contrário a usurpaçào de Cronwell ( por sua hostilidade a toda revolução, sectário e fanático dos "santos"), porém tolerante ante as discrepâncias em matérias não fundamentais e sempre objetivo ante o adversário, buscou seu campo de ação no fomento da vida ético-eclesiástica e por servir esta finalidade, colocou-se a disposição do governo parlamentarista, de Cronwell e da Restauração.
Seu Christian Directory é o mais amplo compêndio existente de moral puritana, e, em geral trata de satisfazer as necessidades práticas da cura das almas, acentuando especialmente os elementos ebioníticos do Novo Testamento. Segundo ele a riqueza constitui-se em sí mesma num grave perigo, suas tentações são incessantes, e aspirar a ela não só é um absurdo por comparação com a infinita superioridade do reino de Deus, como é também éticamente reprovável.

109. Baxter e Calvino:
Baxter quiz ser mais realista que Calvino, pois seu ascetismo direcionava-se a matar toda a aspiração ao enriquecimento através de bens materiais. Calvino podia até considerar que a riqueza constituía-se num obstáculo para a ação dos clérigos, no entanto, propiciava um aumento de prestígio, e com o lucro podía-se aumentar um patrimônio, porém sob a condição de não ocorrer escândalo.

110. Relação entre Baxter e São Tomás:
Os dois acreditam ser reprovável para a moral a existência na riqueza do gozo dos bens, em que a consequência é a sensualidade e a ociosidade levando ao desvio das aspirações à uma vida "santa".

111. Racionalização do Tempo:
Baxter considerava pecado a perda de tempo por ser a duração da vida breve e preciosa, sendo condenável do ponto de vista moral, porém não considerava como Franklin que "tempo é dinheiro", mas quando é gasto na vida social rouba-se do trabalho que tem por finalidade servir a glória de Deus.
Não aprovava a simples contemplação nem a ociosidade profissional, sendo favorável ao trabalho duro e continuado, corporal e espiritual, sendo meio ascético reconhecido pela Igreja ocidental em todos os tempos, previnindo as tentações.

112. Racionalização da Conduta Sexual:
Concebia o sexo somente como um elemento do matrimônio, desejado por Deus, para aumentar sua glória, de acordo com o preceito: "crescei e multiplicai-vos". Era contra a tentação sexual e a angústia religiosa, precrevendo remédios tais como, dieta sóbria, regime vegetariano, banhos frios, porém acima de tudo isso, "trabalhar duramente em sua profissão".

113. O Trabalho como Fim Absoluto na Vida:
Prescrito por Deus, aplicando-se incondicionalmente a todos, sentir-se disgostoso no trabalho é prova de falta de estado de graça.

114. Relação entre Basxter e Sào Tomás quanto ao Trabalho:
Embora São Tomás tenha interpretado o princípio como Baxter, ele tinha o trabalho como extritamente necessário para a conservação da vida individual e social, pois segundo ele, quando não existe esta finalidade, cessa a validez do princípio, validez genérica, não individual.
Deus designou a cada um, sem distinção alguma, uma profissão, que o homem deve conhecer e na qual há de trabalhar, e que não constitui, como no luteranismo, um "destino" que se tem que aceitar e com o qual tem-se que conformar, é um preceito que Deus dirige a todos os homens com a finalidade de promover a própria honra.

115. Divisão do Trabalho:
O fenômeno da divisão do trabalho e da estruturação profissional já havia sido interpretado, entre outros, por São Tomás de Aquino como derivação direta do plano divino do mundo. A integração do homem neste cosmos é causa natural e era puramente casual.
Para Lutero, a integração do homem na profissão e estando na ordem histórico-objetiva era derivação direta da divina vontade e constituía, portanto, um dever religioso para o homem manter-se dentro dos limites e na situação que Deus lhe havia designado.

116. Religiosidade, Interesse Econômico e Profissionalização:

I. Concepção Puritana:
A concepção puritana adquire matizes novas quanto ao caráter providencial da interação dos interesses econômicos-privados. Qual era um fim providencial da admissão do homem a uma profissão, se reconhece em seus frutos, segundo o esquema puritano de interpretação pragmática.

II. Baxter:
Baxter tecia elogios a Adam Smith, no tocante a divisão do trabalho, a especialização das profissões, porque segundo ele, possibilita a destreza do trabalhador, ocorrendo um aumento quantitativo e qualitativo do trabalho promovendo um bem geral..
O ideal é ter uma profissão fixa e não trabalhos ocasionais, a vida de quem carece de profissão não tem o caráter metódico, sistemático, que exige a ascetização da vida no mundo, que é consequência da virtude, uma comprovação do estado de graça da honradez, cuidado e método que se coloca no cumprimento da própria tarefa profissional.

117. Pragmatismo:
Uma profissão é útil pela graça de Deus, é determinada em primeiro lugar por critérios éticos e, em segundo, pela importância que tem para a "coletividade" os bens que ela há de produzir, e em terceiro, o mais importante, do ponto de vista prático, o "proveito" econômico que a mesma produz ao indivíduo.
É necessário seguir o caminho que Deus mostra no sentido da riqueza, pois não é bom seguir outros caminhos desviando do enriquecimento, porque significa que se colocou obstáculos a vocação negando ser administrador de Deus aceitando os dons para utilizar para seu serviço. Querer ser pobre é querer estar enfermo, seria como santificar as obras e ir contra a glória de Deus.
Pode-se trabalhar para ser rico, mas não utilizar a riqueza para serviço da sensualidade e dos pecados, senão para honrar com ela a Deus, sendo este um preceito obrigatório.

118. Mentalidade Judáica e Ética Econômica:
Coincide com a do capitalismo "aventureiro" do tipo político-especulativo, seu ethos, é do capitalismo pária, o puritanismo tem o ethos da indústria racional burguesa e da organização racional do trabalho, e só o que se engaja nestes moldes é que foi tomado da ética judáica.

119. Burguesia Puritana:
Achava que sua conduta era irreprovável pela graça de Deus, determinando o caráter formalista, austero e correto, próprio dos exemplares representantes daquela época heróica do capitalismo.

120. Vida Capiltalista:
O estilo de vida capitalista na concepção puritana de profissão é o ideal de uma conduta ascética. A ascese se dirigia contra a "despreocupação" da existência e agindo-se ao contrário, isto é, mostrando-se preocupado, tería-se alegria.

121. Divertimentos Populares:
Os puritanos combateram com fúria a disposição real, que tolerava legalmente certos divertimentos populares no domingo, fora das horas dedicadas ao cumprimento dos deveres religiosos, não só porque pertubava o descanço do sábado, mas porque implicava numa direta oposição a que deve ser ordenada a conduta do "santo".
O gozo desenfreado da vida, alheio ao trabalho profissional, era inimigo do ascetismo racional, bem como os jogos, ou uma frequente ida ao baile da taberna, próprio do homem vulgar, existia também uma hostilidade frente aos bens culturais quando disvinculados da vida religiosa, ou mesmo os que causassem polêmica teológica, respeitando porém a ciência.

122. Superstições e Irracionalismo de Comportamento:
Os puritanos odiavam a administração mágica da graça, indo também contra o despreocupado sentido artístico da Igreja. Condenavam o teatro, o erotismo, a nudez e todo o modo irracional de comportamento, por não servir a glória de Deus, apenas ao homem.. Empregaram finalidades na utilização de motivos artísticos, e este critério racional foi inclusive aplicado nos trajes pessoais.

123. Uniformização e Capitalismo:
A tendência a uniformização que tem conexão com interesses capitalistas na estandartização da produção, tem seus fundamentos ideais na repulsa da "idolatria". O estilo vital puritano, favoreceu predominantemente a literatura e as gerações posteriores. Quanto maior for a riqueza, tanto mais forte é o sentimento de responsabilidade por sua conversão para a glória de Deus, isto por meio de um trabalho incessante.
A gênisis deste estilo de vida tem alguma de suas raízes (como tantos outros elementos do moderno espírito capitalista) na Idade Média, porém somente na ética do protestantismo ascético, que se vê de modo claro seu alcance para o desenvolvimento do capitalismo..

124. "Espírito do Capitalismo":
A valorização ética do trabalho incessante, continuado e sistemático na profissão absolutamente segura e visível de regeneração e de autenticidade da fé, construiu a mais poderosa expansão da concepção da vida que temos chamado "espírito do capitalismo".
Se a estrangulação do consumo juntarmos a emancipação do espírito de lucro de todos os trabalhos, o resultado inevitável será a formação de um capital como consequência desta conexão ascética para a poupança.

125. "Agricultura Racional":
O puritanismo e Baxter tiveram grande estima pela agricultura como ramo particurlamente importante da atividade econômica e por ser especificamente compatível com a fé, porém não aos junkers e outros mais, somente ao "agricultor racional".

126. O Moderno "Homem Econômico":
O poder exercido pela concepção puritana da vida não só favoreceu a formação de capitais, mas o mais importante, foi favorável sobre tudo para a formação da conduta burguesa racional desde o ponto de vista econômico, de que o puritano foi o representante típico e mais consequente , desta concepção, pois, assistiu ao nascimento do moderno "homem econômico". Porém estes ideais de vida fracassaram ao não poder resistir a dura prova das "tentações" de riqueza, bem conhecidas pelos mesmos puritanos.

127. Religião e Riqueza:
Toda a história das ordens religiosas é em certo sentido uma contínua luta em torno dos problemas da ação secularizadora da riqueza. A religião produz laborosidade (indústria) e sobriedade (frugalidade), as quais são causa de riqueza. Porém uma vez que a riqueza aumenta, aumentam com ela a soberbia, a paixão e o amor ao mundo em todas as formas. Subsiste a forma de religião, porém seu espírito vai secando paulatinamente.

128. Raízes Religiosas e Plenitude Econômica:
Este poderoso movimento religioso, cujo alcance para o desenvolvimento econômico consistiu em seus efeitos educativos ascéticos, no desenrolar da plenitude de sua influência econômica, não passou de exacerbação do entusiasmo religioso, quando a busca exaltada do reino de Deus converteu-se em austera virtude profissional, quando as raízes religiosas começaram a secar-se e a ser substituídas por considerações terrenas utilitárias.

129. Empresário Burguês, Trabalhador e a Mais Valia:
O empresário burguês podia e devia guiar-se pelo seu interesse de lucro, sua consciência em estado de graça, abençoado por Deus, tinha por condição se mover sempre dentro dos limites do correto, com sua conduta ética inatacável, não fazendo uso inconviniente de sua riqueza.
Pelo seu grande poder de ascetismo religioso tinha a sua disposição trabalhadores sobrios, honrados, de grande resistência e lealdade para o trabalho, por eles considerado como uma finalidade da vida desejada por Deus.
Tinha a segurança tranquilizadora de que a desigual repartição dos bens deste mundo é obra especial da providência divina, que, por meio destas diferenças e do particularismo da graça, persegue finalidades ocultas, desconhecidas dos homens.

130. Teoria dos Salários Baixos: Teoria da "Produtividade":
A ética medieval não só tolerou a mendicância, como glorificou as ordens mendicantes, formaram uma "classe", sendo valorizados como tal, pois os ricos podiam realizar boas obras e dar esmolas. As seitas protestantes e as comunidades estritamente puritanas não admitiam em seu seio a mendicância.

131. Zinzendorff, Seitas Batistas, Trabalho e Enriquecimento como Profissão:
Zinzendorff glorificava os trabalhadores que fossem fieis a uma profissão, que não se preocupavam com ganância, quando viviam de acordo com o modelo apostólico.
As seitas batistas, eram mais radicais. A partir daí começou a dominar a idéia que o trabalho honrado, é coisa grata de Deus e que quando se realiza por baixos salários, visto que a vida não brindou com maiores possibilidades, fazia parte da ascese protestante.
Assim impulsiou a idéia do trabalho como profissão como meio preferível e este como o único modo de alcançar a segurança da graça; por outro lado legalizou a exploração da disposição para o trabalho, desde o momento que também o enriquecimento do empresário constituiu-se numa profissão através da "produtividade" do trabalho no sentido capitalista da exclusiva aspiração a alcançar o reino de Deus por meio do cumprimento do dever profissional e o severo ascetismo, que a disciplina eclesiástica impunha como coisa natural as classes despossuídas.

132. O Espírito do Ascetismo Cristão:
Este engendrou um dos elementos constitutivos do moderno espírito capitalista, e não só deste, como também da civilização moderna: a racionalização da conduta sobre a base da idéia profissional.
Já no tratado de Franklin percebe-se os elementos essenciais desta mentalidade que chamamos "espírito do capitalismo"; que são justamente os mesmos que se acabou de reconhecer como fazendo parte da ascesis profissional puritana, a raiz religiosa já existia em Franklin.

133. Goethe:
Em Goethe é encontrada a idéia do trabalho profissional moderno como possuidor de caráter ascético, em "Wanderjahren" e na conclusão de Fausto: a limitação do trabalho profissional, com a consequente renúncia da universalidade fáustica do humano, é uma condição válida valiosa do mundo atual, e que, portanto, a "ação" e a "renúncia" se condicionam reciprocamente de modo inexorável; e isto não é outra coisa que o motivo radicalmente ascético do estilo vital do burguês (supondo que, efetivamente, constituía um estilo e não a negociação de todo estilo de vida).
Com isto expressava Goethe sua despedida, sua renúncia a um período de humanidade integral e bela que não voltará a dar-se na história, do mesmo modo que não voltará a dar-se outra época do florescimento ateniense clássico.

134. A Realização do Ascetismo:
O ascetismo se propôs transformar o mundo e quiz se realizar no mundo, não é estranho, pois, que as riquezas deste mundo alcançassem um poder crescente e, em último termo, irresistível sobre os homens, como nunca se havia conhecido na história.

135. Capitalismo Vitorioso:
O capitalismo não necessita mais de apoio religioso, pois descansa em fundamentos mecânicos, como também morreu a mentalidade da "ilustração", e a idéia do "dever profissional". Não se sabe quem ocupará no futuro este vazio, ou se surgirá um renascimento de antigas idéias e ideais, ou se pelo contrário, ocorrerá uma petrificação mecanizada e uma convulsiva luta de todos contra todos. Neste caso, os "últimos homens" desta fase da civilização poderão aplicar-se esta frase: "especialistas sem espírito, gozadores sem coração: estas nulidades se imaginam haver ascendido a uma nova fase da humanidade jamais alcançada anteriormente."

136. Obra Inacabada de Weber, Ele Próprio Não Refutaria Sua Tese:
Se está invadindo a esfera dos juízos de valor e de fé, que não devem carregar esta exposição puramente histórica. E no lugar de valorar, deve-se investigar.
I. Em primeiro lugar: Converia mostrar o alcance que a racionalismo ascético possue para a ética político-social, e o alcance de ser, para a organização e funcionamento dos grupos sociais desde o conventículo do Estado, e que até agora só parcialmente foi exposto.
II. Em segundo lugar: deveria ser estudada sua relação com o racionalismo humanista e seus ideais de vida e influências culturais, e posteriormente, com o desenrolar do empirismo filosífico e científico, com o desenvolvimento técnico e com os bens espirituais da civilização.
III. Por último: Valeria a pena seguir sua evolução histórica desde os princípios medievais do ascetismo laico que foi dissolvido num utilitarismo, através das distintas esferas sobre as que atuou a religiosidade ascética. Só então poderia mostrar-se em toda sua plenitude a medida do formidável alcance cultural do protestantismo ascético em relação com outros elementos plásticos da civilização moderna.
Deveria-se investigar a maneira como o ascetismo protestante foi influenciado em seu desenvolvimento e as características fundamentais pela totalidade das condições culturais e sociais, singurlamente econômicas, em cujo seio nasceu.
É reconhecido que, em geral, o homem moderno, com sua maior vontade, não é capaz de representar (a sí mesmo) toda a efetiva magnitude do influxo que as idéias religiosas tem exercido sobre a conduta na vida, na civilização e no caráter nacional.
A intenção não é substituir uma concepção unilateralmente "materialista" da cultura e da história por uma concepção contrária de unilateridade causalista espiritualista. Materialismo e espiritualismo são interpretações igualmente possíveis, porém como trabalho preliminar; senão pelo contrário, pretendeu constituir o término da investigação, ambas igualmente inacabadas para sevir a verdade histórica.

SUMÁRIO

137. Um Breve Relato sob a ótica de Weber
Segundo Weber, o desenvolvimento do capitalismo exigiu uma generalização de atitudes para com o trabalho e a riqueza, antes excepcionais nas sociedades humanas. A ética do protestantismo contribuiu para a difusão dessas atitudes ajudando a acelerar o desenvolvimento do capitalismo na Europa Ocidental e América do Norte, e pôde também ter contribuído com certas características específicas.
Weber acreditava na decadência do capitalismo como consequência da rejeição dos valores "burgueses", e não como consequência do colapso econômico: "O puritano via o trabalho como sua vocação, nós o vemos como obrigação". Essa frase de Weber expressa uma desilusão e sugere uma hostilidade possível a cultura do capitalismo, devido a civilização ocidental atravessar um processo geral de racionalização e burocratização colocando em risco valores liberais, os quais ele concebia como primordiais.
A individualidade para Weber só pode existir em uma estrutura econômica e política pluralista, portanto é necessário combater tendências do mundo industrial, que levam a uniformidade de uma sociedade burocratizada, que impele a maioria dos trabalhadores a acompanhar demagogos autoritários.
O marxismo ortodoxo em sua opinião, afirma, contra as provas, que o poder político se baseia sempre, e só se pode basear, no poder econômico, e deixa de analisar, de modo científico, e exato, a noção de "poder econômico".
Relaciona a ética religiosa com a ordem econômica, examina essa conexào de dois pontos de vista: a influência de determinadas doutrinas religiosas sobre o comportamento econômico e a relação entre a posição de grupos no sistema econômico e tipos de crença religiosa.
A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo foi o ponto de partida de seus estudos da religião, mostra o papel desempenhado na origem e desenvolvimento do capitalismo moderno pela ética calvinista.
Weber não acredita que as idéias governam o mundo, mas que, em certas condições históricas, idéias ou doutrinas podem, independentemente, afetar a direção de mudança social, onde as aplicações da ciência e da tecnologia, seu desenvolvimento, só pode significar o aumento do conhecimento e das idéias científicas e técnicas.
Apresentou o protestantismo como exemplo para que as pessoas pudessem compreender a forma pela qual as idéias agem na história. De acordo com sua teoria, as concepções teológicas e éticas dos protestantes foram influenciadas, em sua formação, por várias circunstâncias sociais e políticas, porém não tiveram influência direta sobre as questões econômicas. Mas as idéias têm a sua própria lógica e dão origem a consequências que podem ter influência prática.
Assim os dogmas do calvinismo, estabelecidos na consciência de indivíduos pertencentes a determinados grupos, provocou uma atitude particular para com a vida e uma forma específica de comportamento.
Em seus estudos posteriores da religião (judaísmo, China, Índia), Weber seguiu a mesma linha de pesquisa, examinou as doutrinas de determinados grupos sociais, e as consequências sociais (especialmente econômicas) de certas atitudes para com a vida, derivadas dos sistemas religiosos. Examinou a relação entre atividade econômica moderna e racional com as crenças religiosas, mostrou a atração que têm para os comerciantes e homens de negócios os cultos religiosos.
Weber acentua a importância da casta como a moldura institucional do hinduísmo: "A casta, ou seja, os direitos e deveres rituais que ela impõe e dá, e a posição dos brâmanes são a instituição fundamental do hinduísmo."
Tratou o capitalismo como uma forma de sociedade única e altamente específica, onde o protestantismo, especialmente o calvinismo, com sua ênfase sobre o trabalho como um dever cristão, deu forte ímpeto ao seu desenvolvimento.
Segundo ele, o protestantismo exigia do indivíduo uma devoção ao seu negócio e aplicação ao trabalho, traços propícios ao êxito mundano, que, por sua vez, era considerado uma indicação da graça de Deus. A acumulação de riqueza não era considerada indesejável; contudo não deveria-se usa-la para auto-engrandecimento, mas para objetivos cristãos, sendo altamente estimulada.
Sendo assim, o protestantismo, encorajava a emprêsa privada, a iniciativa, a ganância e o individualismo, que são os sine que non do capitalismo. A insistência no ascetismo, entretanto, também dava ao protestantismo uma forte influência disciplinadora sobre a atividade econômica, impedía-se que o indivíduo seguisse inclinações puramente egoístas; era forçado a considerar o interesse dos outros. A religião, no caso o protestantismo, tinha desse modo uma grande influência sobre a ordem econômica da sociedade ocidental.
Em relação as organizações econômicas da China e da Índia e do Velho Mundo em geral, verificou que as mesmas eram muito influenciadas pelos sistemas religiosos predominantes. Concebeu diante disso que a economia de uma sociedade é condicionada por suas formas de religião, embora tenha admitido que, em muitos casos, é possível provar que o reverso é verdadeiro, isto é, que a mudança pode ser iniciada por forças não-religiosas, dessa forma, não é possível provar que os valores espirituais e religiosos sejam os únicos determinantes da estrutura social. Ele acreditou, entretanto, que as idéias ético-religiosas são geralmente fatores causais na mudança social e que o mundo é um mundo desencantado e burocrático, sufocado pelo poder corporativo.

UMA PEQUENA REFLEXÃO

A metodologia de Weber no sentido de uma ciência da cultura, mostra que existem singularidades histórico-culturais que se formam a partir de representações sociais que têm por meta a religiosidade. Ele parte da cultura para abarcar fenômenos sociais, por isso ele se interessa pela origem dos padrões culturais.
O estudo das religiões permitiu a Weber a compreensão das origens e o rumo do desenvolvimento do racionalismo no Ocidente. Mas até que ponto Weber não concebe um racionalismo superior a outro, já que ele admirava o protestantismo asceta?
Em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber caracteriza a modernidade como "racionalização do mundo", fala numa validade universal de fenômenos culturais, o que dizer então de líderes carismáticos como Stalin ou Hitler, quando ele mesmo afirma que o autoritarismo carismático é "anti-racional"? E como pode-se falar numa secularização do mundo quando 90% dos norte-americanos pertencem a "alguma classe de teísmo"? Pode-se falar numa universalidade da cultura moderna englobando o terceiro mundo, a Prússia e a Alemanha de Weimar?
Weber coloca a modernidade ocidental num alto patamar e como sendo o único da história da humanidade, para ele existe a inevitabilidade da racionalização
ocidental e a exclusividade dessa cultura. Sua tese ruma no sentido que somente no Ocidente ocorreram fenômenos culturais, que representamos como direcão na evolução para alcançar a validade universal.
Se seguirmos a linha de seu raciocínio, o mundo anglo-saxônico passou a ser o melhor em termos de organização social e de racionalidade, logo o protestante asceta e os Estados Unidos são vistos como ideal, e deve-se portanto "seguir o mestre"? Existe padrão a ser seguido? Penso que não, pois os processos são diferentes em cada nação, mesmo que parecidos cada um possui sua particularidade.
A produção flexível no Japão por exemplo, uma forma de racionalização da produção, transforma os homens em peças, o homem como trabalhador alienado, como instrumento perfeito de produção.
No modelo japonês de produção, com a "teoria da qualidade total", o ser humano é transformado num verdadeiro potêncial de força de trabalho, a alegria faz parte do trabalho grupal, é o espírito como parte integrante do processo de produção, alegrando consumidores e acionistas das empresas.
Será que foi aberto os "portões do paraíso"? Neste "paraíso" onde fica a "porta principal" que dá acesso a felicidade humana? Talvez seja um "paraíso" diferente, repleto de "engajamento estimulado" e de olhos vigilantes, onde o paternalismo e as reuniões de equipes escamoteiam um totalitarismo que favorece uma vigilância entre os trabalhadores baseada no medo.
O assim chamado neo-fordismo intensificou o rítmo de trabalho, mas não melhorou as condições de vida do trabalhador, muito pelo contrário, ocorrem cada vez mais no Japão "overdose" de trabalho (karoshi), que já levaram a morte e ao suicídio em torno de dez mil pessoas! As "ideologias messiânicas" "Servir o cliente satisfaz ao mandamento evangélico de amar o próximo" (especialista brasileiro sobre o "modelo japonês") é semelhante a ótica weberiana ou é impressão?
E se pensarmos em termos de uma reflexão ética, tudo fica mais confuso, pois o mundo é vivido de forma racional, onde mal é sinônimo de pecado, e como tal é necessário ascetismo para expulsá-lo da vida privada e pública. Ocorre é que a Ética saíu do espaço pessoal, invadiu o espaço público só que transformou-se numa moral fictícia incorporada as regras profissionais.
O mal tornou-se cada vez mais relativisado, visto que o mal social não invade a vida individual, logo não é pecado, e por não ser de todo mal é até possível dominá-lo, não é preciso matá-lo, apenas domesticá-lo, afinal existe um enorme "muro com paredes de aço" separando o espaço privado e o espaço social e político.
O mal social é visto como exterior à realidade de cada um, e por ser exterior, não requer responsabilidade de ninguém, isso nos alivia muito uma vez que até podemos ser bons, mesmo que na sociedade exista o mal.
Penso que só temos perguntas a fazer: Será que a sociedade quer uma ética verdadeira? Como trazer a política para o dia a dia? É possível uma visão de totalidade social enquanto projeto histórico? Será possível uma real interação entre os indivíduos diante de estruturas reificadoras, ideologicamente comprometidas? Será que não é ingênuidade acreditar na autonomia da ética? E na autonomia da força e capacidade para uma ação determinada pela liberdade?
Na minha singela reflexão penso que para existir uma ação real antes torna-se necessário que a ética tenha-se constituído historicamente na cultura social, fazendo parte da vida privada da cada um, até lá torná-se difícil uma comunicação dialógica, pois num universo onde o poder mutila o diálogo impondo-se inclusive belicamente e onde o trabalho continua sendo organizado de acordo com os princípios tayloristas, o racionalismo domina a felicidade humana.

BIBLIOGRAFIA:

ALVES, Giovanni in O Novo (E Precário) Mundo Do Trabalho, Reestruturação produtiva e crise do sindicalismo, Boitempo Editorial, 2000.
BRONNER, E. Stephen in "Jurgen Harbermas e a Linguagem da Política", do livro "Da Teoria Crítica e Seus Teóricos" de Stephen E. Bronner, Papiros Editora.
REVISTA UNIVERSIDADE E SOCIEDADE, Sindicato ANDES Nacional, Brasília (DF), ano VIII, n 17, novembro de 1998.
REVISTA UNIVERSIDADE E SOCIEDADE, Sindicato ANDES Nacional, Brasília (DF), ano IX, n 18, março de 1999.
REVISTA UNIVERSIDADE E SOCIEDADE, Sindicato ANDES Nacional, Brasília (DF), s/ano, n 20, set/dez. 1999.
WEBER, Max in A Ética Protestante E O Espírito Do Capitalismo, São Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1967.